segunda-feira, 27 de setembro de 2021




                    MARITUBA ASSIM SE FEZ    

Marituba tua história, bem contada ao natural,

Vilazinha de operários, tu nasceste como tal;

Teu legado na História do Pará e sem igual.

De umari brotou teu nome, fruto de árvore frondosa,

Fruto exótico amarelo  de carne bem oleosa.

 

Quando veio a estação, brotou Maria  fumaça,

Deixou além da estação lembrança que nunca passa;

Tinha o trem de passear e o trem de carga também;

E tinha o trem pagador que muitos se lembram  bem;

Tudo isso foi extinto só caixa dágua ficou

E as casinhas lá da praça que o tempo modificou.

 

E Nossa Vila Operária que bem ligeiro se ergueu,

Perdeu a estreada de ferro com a qual ela nasceu;

Viu-se ir o trem faceiro, partindo, assim tão ligeiro,

Levando muitas famílias fundadoras do lugar,

Para em outras ferrovias noutras terras trabalhar.

 

E a gente cristã que veio para habitar por aqui

Ergueu aquela Igrejinha  Católica bem ali...

Foi no terceiro natal com as  bênção vindas dos céus

Escolhido o Padroeiro, foi  pois o menino Deus.

 

Marituba tu que tinhas belas matas sem iguais,

Teus lindos igarapés, hoje não existem mais

Distrito de Benevides  te fizeste evoluir,

E Ananindeua queria a tutela sobre ti,

Para seres Município teu povo escolheu o sim.

 

Mas com o passar do tempo, Marituba assim cresceu,

Só restando na memória o encanto que era seu,

Que nunca negue a história, por obra de boa fé

Na memória dos vinham pro  banho de igarapé,

Na tão formosa prainha que hoje nada mais é.

 

Nem por isso Marituba deixa de ter seus encantos,

Mas que fique na memória, na história bem guardada,

Teu começo Marituba, foi nos trilhos de uma estrada,

Hoje trilhas no progresso como cidade afamada,

Porque da estrada de ferro não resta em ti quase nada

                        Francisco Poeta, março de 1998.                                                     
                                          

terça-feira, 7 de setembro de 2021

                                                           

                                    ESCOLS EM . R. C. NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO                                    Professora: Ana Cavalcante / Professor:  Francisco Poeta

INTRODUÇÃO À LITERATURA

O QUE É LITERATURA?                                                                                                                                    "A Literatura, como toda arte, é uma transfiguração do real, é a realidade recriada através do espírito do artista e retransmitida através da língua para as formas, que são os gêneros, e com os quais ela toma corpo e nova realidade. Passa, então, a viver outra vida, autônoma, independente do autor e da experiência de realidade de onde proveio. Os fatos que lhe deram às vezes origem perderam a realidade primitiva e adquiriram outra, graças à imaginação do artista. São agora fatos de outra natureza, diferentes dos fatos naturais objetivados pela ciência ou pela história ou pelo social.

O artista literário cria ou recria um mundo de verdades que não são mensuráveis pelos mesmos padrões das verdades fatuais.[...]

A Literatura é, assim, a vida, parte da vida, não se admitindo possa haver conflito entre uma e outra.

Através das obras literárias, tomamos contato com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana."

(Afrânio Coutinho)

ALGUNS CONCEITOS SOBRE LITERATURA                                                                                      * - "Arte literária é mimese (imitação); é a arte que imita pela palavra." (Aristóteles, filósofo grego, séc. IV a.C)

* - "A literatura é a expressão da sociedade, como a palavra é a expressão do homem." (Louis de Bonald, pensador e crítico do Romantismo francês, início do séc. XIX)"

* - "A poesia existe nos fatos." (Oswald de Andrade, poeta brasileiro, séc. XX)

* -  “Literatura é feitiçaria que se faz com o sangue do coração humano.” (Guimarães Rosa, escritor brasileiro, séc. XX)

LITERATURA E SEUS ELEMENTOS ESTRUTURAIS                                                                TEXTO LITERÁRIO E NÃO LITERÁRIO                                                                                                         LITERATURA E SEUS ELEMENTOS ESTRUTURAIS

TEXTO LITERÁRIO E NÃO LITERÁRIO

Chamamos de texto literário aquele que apresenta preocupação com a Arte da literatura, em verso ou em prosa, constituído da recriação da realidade pela visão do autor, através da palavra estilizada, ou seja, o texto literário visa o belo, a fruição (prazer) e é comprometido com a criatividade. São exemplos em verso, os poemas e em prosa, o conto, a novela e o romance.

Já o texto não literário é aquele que se preocupa apenas com a comunicação funcional, servindo para diversos fins. É o caso do texto de jornal, livro didático, da bula de remédios.

Exemplo 1

Sentimento urgente

“Saudade é um pouco como fome.

Só passa quando se come a presença.

Mas às vezes a saudade é tão

profunda que a presença é pouco

Quer-se absorver a outra pessoa  toda.

Essa vontade de um ser o outro

para uma unificação inteira

É um dos sentimentos mais

urgentes que se tem na vida.”

— Clarice Lispector —

Exemplo 2

“Realizada desde 2014 por um grupo de autores, livreiros e editores do estado,  a FliPA reúne obras de mais de 100 autores paraenses. Além de homenagear escritores consagrados, o evento abre espaço para as publicações de romancistas de primeira viagem e a divulgação de novos talentos.”

(Trecho do jornal O Liberal, 2016) 

LINGUAGEM DENOTATIVA E LINGUAGEM CONOTATIVA

“Chega mais perto e contempla as palavras. Cada tem mil faces secretas sob a face neutra.”

                                                             (Carlos Drummond de Andrade).

Nos textos literários nem sempre a linguagem apresenta um único sentido, aquele apresentado pelo dicionário. Empregadas em alguns contextos, elas ganham novos sentidos, figurados, carregados de valores afetivos ou sociais.  Quando a palavra é utilizada com seu sentido comum (o que aparece no dicionário) dizemos que foi empregada denotativamente.  Quando é utilizada com um sentido diferente daquele que lhe é comum, dizemos que foi empregada conotativamente,  este recurso é muito explorado na Literatura.

A linguagem conotativa não é exclusiva da literatura, ela é empregada em letras de música, anúncios publicitários, conversas do dia a dia, etc.

 

Exemplo de linguagem denotativa:

Saudade - sau·da·de sf 1. Sentimento nostálgico e melancólico associado à recordação de pessoa ou coisa ausente, distante ou extinta, ou à ausência de coisas, prazeres e emoções experimentadas e já passadas, consideradas bens positivos e desejáveis;...

michaelis.uol.com.br

Exemplo de linguagem conotativa:

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim.

(Carlos Drummond de Andrade) 

CONCEITO DE ESTILO LITERÁRIO

Estilo individual: É a maneira própria de cada autor se expressar.

Estilo de época, escola literária ou movimento literário: é o conflito de trações comuns que caracterizam as manifestações literárias de uma época.

PROSA E POEMA

Na prosa, as linhas ocupam toda a extensão horizontal da página. Os textos apresentam-se em frases, orações, períodos formando blocos chamados parágrafos.

O poema é uma expressão em versos. Refere-se à forma. Nele, as linhas, em geral, não ocupam toda a extensão horizontal.

Verso correspondente a uma linha do poema organizados em estrofes.

Estrofe ou estância é uma agrupamento de versos. As estrofes classificam-se em: 

Estilo individual: É a maneira própria de cada autor se expressar.

Estilo de época, escola literária ou movimento literário: é o conflito de trações comuns que caracterizam as manifestações literárias de uma época.

PROSA E POEMA

Na prosa, as linhas ocupam toda a extensão horizontal da página. Os textos apresentam-se em frases, orações, períodos formando blocos chamados parágrafos.

O poema é uma expressão em versos. Refere-se à forma. Nele, as linhas, em geral, não ocupam toda a extensão horizontal.

Verso correspondente a uma linha do poema organizados em estrofes.

Estrofe ou estância é uma agrupamento de versos. As estrofes classificam-se em:

 

1. Monóstico – só um único verso.        

2. Dístico – dois versos.        

3. Terceto – três versos.

4. Quadra ou quarteto– quatro versos.   

5. Quintilha – cinco versos.  

6. Sextilha ou sexteto – seis versos.

7. Sétima ou septilha – sete versos.    

8. Oitava – oito versos.    

9. Nona – nove versos.

10. Décima – dez versos.   

11.Irregular – mais de dez versos.

PROSA E POEMA

Na prosa, as linhas ocupam toda a extensão horizontal da página. Os textos apresentam-se em frases, orações, períodos formando blocos chamados parágrafos.

 

O poema é uma expressão em versos. Refere-se à forma. Nele, as linhas, em geral, não ocupam toda a extensão horizontal.

 

Verso correspondente a uma  linha do poema organizados em estrofes.

 

Estrofe ou estância é um  agrupamento de versos. As estrofes classificam-se em:

Monóstico – só um único verso.

Dístico – dois versos.

Terceto – três versos.

Quadra ou quarteto– quatro versos.

Quintilha – cinco versos.

Sextilha ou sexteto – seis versos.

Sétima ou septilha – sete versos.

Oitava – oito versos.

Nona – nove versos.

Décima – dez versos.

Irregular – mais de dez versos.

A melodia que caracteriza o verso é resultado de alguns recursos presentes na poesia de todos os tempos. Os mais importantes são a métrica, o ritmo, a rima e outros recursos sonoros. 


- MÉTRICA OU SÍLABA POÉTICA

Métrica é a medida de um verso, isto é, o número de sílabas poéticas (ou métricas) apresentadas pelo verso. A sílaba poética nem sempre corresponde a uma sílaba gramatical. Na divisão (ou contagem) das sílabas poéticas de um verso, considera-se as emissões de voz do verso como um todo. Além disso, conta-se apenas até a última sílaba tônica do verso. Essa contagem é chamada de escansão.

Observe a escansão destes versos do poema “Canção do exílio”, de Gonçalves Dias.

Mi/nha/ ter/ra/ tem/ pal/mei/ras,/

(8 sílabas gramaticais )

Mi/nha/ te/rra/ tem/ pal/mei/ras,

(7 sílabas poéticas)

On/de/ can/ta/ o/ Sa/bi/á;/

(8 sílabas gramaticais)

On/de/ can/ta o/ Sa/bi/á;/

(7 sílabas poéticas)

As/ a/ves/ que/ a/qui/ gor/jei/am,/

(9 sílabas gramaticais)

A/s a/ves/ que a/qui/ gor/jei/am,

(7 sílabas poéticas)

Não/ gor/jei/am/ co/mo/ lá./

(7 sílabas gramaticais )

Não/ gor/jei/am/ co/mo/ lá./

(7 sílabas poéticas )

No último verso, há correspondência entre sílaba gramatical e sílaba poética. Os versos do poema de Gonçalves Dias são heptassílabos ou versos de redondilha maior (sete sílabas poéticas). 

No último verso, há correspondência entre sílaba gramatical e sílaba poética. Os versos do poema de Gonçalves Dias são heptassílabos ou versos de redondilha maior (sete sílabas poéticas).

Classificação do verso quanto ao número de sílabas:

a) Isométricos: são os versos de uma só medida. São classificados como:

- monossílabos,

- dissílabos,

- trissílabos,

- pentassílabos (ou redondilha menor),

- hexassílabos (heroico quebrado),

- heptassílabos (redondilha maior),

- octossílabos,

- eneassílabos,

- decassílabos (medida nova),

- hendecassílabos,

- dodecassílabos (ou alexandrinos).

 

b) Heterométricos: são os versos de diferentes medidas, usados em um mesmo poema.

 

c) Versos livres: são aqueles que não obedecem a nenhum esquema.

 

- RITMO

Um poema também tem ritmo, que lhe é dado pela alternância das silabas que apresentam maior e menor intensidade quando pronunciadas. Por exemplo:

Cavaleiro │das armas escuras

Onde vais│pelas trevas impuras.

(Álvares de Azevedo)

 

- RIMA

Repetição de sons semelhantes, criando um parentesco fônico entre palavras presentes em dois ou mais versos. Classificação quanto a rima de combinações:

Emparelhada – ocorrem de duas em duas (AABB) Alternadas – ocorrem de forma alternada (ABAB) Interpoladas – ocorrem de forma opostas (ABBA) Mistas – tudo embaralhado (ABACDCD)

Exemplo de rima ABBA

De repente do riso fez-se o pranto - A

Silencioso e branco como a bruma - B

E das bocas unidas fez-se a espuma - B

E das mãos espalmadas fez-se o espanto – A

 

- OUTROS RECURSOS SONOROS

Aliteração

É a repetição constante de um mesmo fonema consonantal. Observe como o compositor Chico Buarque alitera os fonemas /t/, /r/, /p/ neste trecho da canção A Rita:

Levou seu retrato,

Seu trapo, seu prato,

Que papel!

Assonância

É a repetição constante de um mesmo fonema vocálico. Observe a assonância do fonema vocálico /a/ nestes versos de Cruz e Sousa:

Ó formas alvas, brancas, Formas claras

 

Soneto de fidelidade

De tudo ao meu amor serei atento

 Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

Que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

 

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento

 

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

 

Eu possa me dizer do amor (que tive):

 Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinícius de Moraes


                               BOTO É NAMORADOR

Olha o boto, olha o boto, olha o boto olha lá!

Na desponta da maré ele pode boiar;

No clarão da lua cheia ele vem pra namorar,

Onde tem mulher bonita ele vai se achegar;

 

Com um chapéu de palha, um chapéu de palha,

Um chapéu de palha na cabeça,

Vem passear na praia, passear na praia,

Assim que a lua cheia apareça.  

 

Boto vem pra namorar, ele vem pra namorar,  

E logo volta para o mar assim que vê o sol raiar

Com suas vestes brancas e o chapéu de palha

Um chapéu de palha na cabeça.  

                  

Olha o boto, olha o boto, olha o boto acolá,

Na desponta da maré ele acaba de boiar

No clarão da lua cheia ele vem pra namorar

Onde tem mulher bonita é que ele vem se achegar.

 

E seja loiro ou moreno ele sabe conquistar,

Boto faz sua conquista quando a chama pra dançar

Logo vai com sua prenda para a praia passear

E depois do ocorrido nunca mais irá voltar.

                    

Com lenço e navalha e um chapéu de palha,  

Um chapéu de palha na cabeça,

Depois de namorar o boto logo fugirá,

Antes que nasça o sol e a lua cheia, assim, desapareça.

 

Olha o boto olha o boto, olha o boto onde está,

Assim que nasceu o sol ele se foi para o mar,

Ninguém notou quando chegou,

Ninguém o viu sumir no mar,

 

Com um chapéu de palha, um chapéu de palha,

Um chapéu de palha na cabeça,

Ninguém vai reparar ninguém vai criticar,

Caso a barriga dela logo cresça.

                           Francisco Poeta (fevereiro de 1993) 

                          

                  LUCÍOLA   (ROMANCE DE JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR) 

Lucíola narra a história de uma menina, Maria da Glória, que se vê forçada a prostituir-se para salvar a vida de sua família, dizimada pela febre amarela. Para evitar a vergonha sobre sua família, dá seu nome, Maria da Glória, ao médico que vai atestar óbito de uma moça sem família que morrera em sua casa. Adota, então, o nome da morta, Lúcia, e torna-se uma das prostitutas mais requisitadas da corte.

O título do livro é explicado pelo próprio Alencar, na nota introdutória: “Lucíola é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?”

Um dia, Lúcia conhece Paulo, ambos se apaixonam, e Lúcia, aos poucos, abandona a prostituição, mas não se realiza sua união final com Paulo, pois ela morre, não sem antes encaminhar sua irmã mais nova para uma vida diferente da sua, sob a proteção de Paulo.

A narração do romance é conduzida por Paulo em primeira pessoa, de forma que a história é contada de sua perspectiva. Não obstante o livro girar em torno de uma prostituta, Lucíola é um romance extremamente moralista e moralizante.

O livro dissocia radicalmente o amor físico e o amor espiritual. Quando Lúcia se apaixona por Paulo, começa a afastar-se de sua vida de prostituição e, mais do que isso, começa a abster-se de qualquer relação sexual. Inicialmente, recusa os seus fregueses habituais. Posteriormente, conforme aumenta o amor dos dois, a relação entre ambos torna-se platônica, o que simbolicamente abre caminho para a “purificação” da moça.

Essa purificação, porém, não é suficiente para que a sociedade (nem o romancista...) a perdoe. Por assim dizer, a culpa a impede de casar-se com Paulo, e ela e o filho que tiveram morrerão no fim do romance.

Todavia, o processo de purificação vai tão longe que, no final, Paulo diz que possui a alma de Lúcia.

Foram selecionados dois capítulos. O primeiro fala da ceia, em que Alencar se detém na descrição da festa, mostrando Lúcia em suas poses lúbricas e fazendo-a confessar explicitamente a Paulo seu modo de vida. Observe como Alencar é extremamente discreto na descrição da bacanal, mas, por causa mesmo desta discrição, extremamente erótico.

O outro capítulo selecionado é o da história de Lúcia, onde ficamos sabendo das circunstâncias que a levaram à prostituição: a necessidade de salvar a família e a hipocrisia social.

 

  

CAPÍTULO VII

 


 

 Estávamos sós; a pêndula marcava uma hora e quarenta minutos; pouco tardia o momento solene que dono da casa, novo Erasmo, destinara para a inauguração da loucura.

_ Meus senhores, confesso que a minha vaidade de anfitrião, amador das artes, está um tanto humilhada! Ainda não disseram uma palavra a respeito dos meus quadros!

_ De quem é a culpa? A magnificência da ceia e a amabilidade do hóspede não consentiram que levantássemos os olhos.

_ Mas são realmente soberbas estas pinturas!... exclamou o Couto. Que posições admiráveis!... Ressuscitariam um morto. Apenas noto a ausência absoluta do sexo feio.

_ Isso prova o bom gosto do pintor.

_ E o mau gosto das filhas de Lesbos.

_ Então acham essas mulheres admiráveis?

_ Provocantes!

_ Arrebatadoras!...

_ E tu, Paulo, que dizes?

_ Digo que vi ontem um quadro deste gênero, que eu não trocaria por todas as tuas pinturas! Era uma mulher; mas as formas palpitavam; a carne latejava sob os olhos que a devoravam; os lábios comiam de beijo a vítima que eles provocavam; e entre a cútis transparente corria o sangue, que se precipitava do coração espadanando em cascatas!

_Sublime! A descrição é digna de um quadro... que eu não vi! Disse o Rochinha.

_ Onde descobrisse essa maravilha?

_ É meu segredo.

_ Nem se pode saber o nome do artista, Sr. Silva?

_ Não o adivinharam ainda!

_ Será Rafael?

_ É um Ticiano póstumo!

_ Ou algum gênio desconhecido?

_ Enganaram-se: é um artista de todos os tempos e de todos os países; é o artista divino¹ que fez as flores, as estrelas e as mulheres!

_ Ah! Neste gênero de pintura tenho visto o melhor que é possível!

_ Eu aposto, disse Lúcia, que o Sr. Silva, como os poetas, embelezou o seu quadro². Viu o que sentia; mas não o que era.            

_ Que importa! É outra ilusão minha que desejo guardar.

_ Talvez não a guarde por muito tempo.

_ Pois, meus senhores, continuou Sá, mostrando-lhes estas pinturas, preparei-lhes uma agradável surpresa. É nada menos que o original delas; não o original frio e calmo, mas um verdadeiro modelo, vivendo, palpitando, sorrindo, esculpindo em carne todas as paixões que deviam ferver no coração daquelas mulheres.

_ Onde está ele?

_ Lúcia vai mostrar-nos.

_ Ah!...

_ Magnífico!

_ Que maçada! Esqueci o meu pince-nez, disse o Rochinha.

_ Está pronta, Lúcia?

Ela ergueu-se, circulando a mesa com o olhar ardente e fascinado.

_ Tu não farás isto, Lúcia! Disse-lhe eu à meia voz. Dobrando como uma palma flexível o seu talhe esbelto, atirou-me ao ouvido uma palavra, que vazou no meu cérebro e correu-me pela medula dos ossos, como gota de metal em fusão³.

_ É preciso pagar a conta da ceia 4!

Travei-lhe da mão:

_ Eu te suplico.

O seu corpo oscilou; caiu inerte sobre a cadeira.

_ Que é isso? Exclamou Sá. Tens vergonha de Paulo? É a única pessoa demais que está hoje aqui.

_ Ah! Não é a primeira vez? Perguntei empalidecendo.

_ Será a primeira vez que copiará estes quadros, pois não há oito dias que os comprei; mas Lúcia não precisa de modelos, e já nos mostrou, não uma, porém muitas noites, que tem, com a beleza dos anjos, o gênio da estatuária. Não é verdade, meus senhores?

_ Bem vês, Sá, que a honra não é para todos. Sou indigno dela! Disse eu.

_ O que me está parecendo é que Lúcia quer apaixonar-te. Soltei uma gargalhada.

_ Perde o seu tempo! A mim?

Lúcia ergueu a cabeça com orgulho satânico, e levantando-se de um salto, agarrou uma garrafa de champanha, quase cheia. Quando a pousou sobre a mesa, todo o vinho tinha-lhe passado pelos lábios, onde a espuma fervilhava ainda. Ouvi o rugido da seda 5: diante de meus olhos deslumbrados passou a divina aparição que admirava na véspera.

Lúcia saltava sobre a mesa. Arrancando uma palma de um dos jarros de flores, trançou-a nos cabelos, coroando-se de verbena, como as virgens gregas. Depois agitando as longas tranças negras, que se enroscaram quais serpes vivas, retraiu os rins num requebro sensual, arqueou os braços e começou a imitar uma a uma as lascivas pinturas; mas a imitar com a posição, com o gesto, com a sensação do gozo voluptuoso que lhe estremecia o corpo, com a voz que expirava no flébil suspiro e no beijo soluçante, com a palavra trêmula que borbulhava dos lábios no delíquio do êxtase amoroso.

Deviam de ser sublimes de beleza e sensualidade esses quadros vivos, que se sucediam rápidos; porque até as mulheres aplaudiam com entusiasmo e frenesi. Revoltou-me tanto cinismo; ergui-me da mesa.

_ Que é isso? Não admiras? O que viste era mais perfeito.

_ Não por certo!... Estes quadros são mais expressivos e naturais! São sublimes de verdade! Porém sinto-me sufocado pela atmosfera desta sala: preciso de ar.

Abri a porta que dava para o jardim, e saí.

 

 

 

CAPÍTULO XIX


 

Lúcia ficou um momento absorvida nas suas recordações; afinal chegando um banquinho de tapete, sentou-se aos meus pés:


_ Deixamos São Domingos para vir morar na Corte: tinham dado a meu pai um emprego nas obras públicas. Vivemos dois anos ainda bem felizes. À noite, toda a família se reunia na sala; eu dava a minha lição de francês a meu mano mais velho, ou a lição de piano com minha tia. Depois passávamos o serão ouvindo meu pai ler ou contar alguma história. Às nove horas ele fechava o livro, e minha mãe dizia: “Maria da Glória, teu pai quer cear”. Levantava-me então para deitar a toalha.

_ Maria da Gloria!

_ É meu nome. Foi Nossa Senhora, minha madrinha, quem me deu. Nasci a 15 de agosto. Por isso todos os anos vou levar-lhe um trabalho de minhas mãos, e pedir-lhe que me perdoe. Outrora pedia-lhe que me fizesse feliz; toda a minha família acompanhava: agora vou só e escondida.

_ E que é feito de tua família?

_ Lembra-se da febre amarela em 1850?

_Não estava aqui.

_ É verdade, foi um ano terrível. Meu pai, minha mãe, meus manos, todos caíram doentes: só havia em pé minha tia e eu. Uma vizinha que viera acudir-nos, adoecera à noite e não amanheceu. Ninguém mais se animou a fazer-nos companhia. Estávamos na penúria: algum dinheiro que nos tinham emprestado mal chegara para a botica. O médico que nos fazia a esmola de tratar dera uma queda de cavalo e estava mal. Para cúmulo de desespero, minha tia uma manhã não pôde se erguer da cama; estava também com a febre, fiquei só! Uma menina de 14 anos para tratar de seis doentes graves, e achar recursos onde não havia. Não sei como não enlouqueci.

Lúcia apertou a cabeça com as mãos, como se ainda temera que a razão lhe fugisse.

_ Tudo quanto era possível, meu Deus, sinto que o fiz. Não dormia; sustentava-me com uma xícara de café. Nalgum momento de repouso ia à porta e pedia aos que passavam. Pedia para meu pai enfermo e para minha mãe moribunda, não tinha vexame. Uma tarde perdi a coragem: meu irmão estava na agonia, minha mãe despedira-se de mim, e Ana, minha irmãzinha, que eu tinha criado e amava como minha filha, já não dava acordo de si. Passou um vizinho. Falei-lhe; ele me consolou, e disse-me que o acompanhasse à sua casa. A inocência e a dor me cegavam: acompanhei-o.

Lúcia fez um esforço para continuar:

_ Esse homem era o Couto...

_ Ah!

_ Ele tirou do bolso algumas moedas de ouro, sobre as quais me precipitei, pedindo-lhe de joelhos que mas desse para salvar minha mãe; mas senti os seus lábios que me tocavam, e fugi. Oh! Não posso contar-lhe que a luta foi a minha: três vezes corri espavorida até a casa, e diante daquela agonia sentia renascer a coragem, e voltava. Não sabia o que queria esse homem: ignorava então o que é a honra e a virtude da mulher 6; o que se revoltava em mim era o pudor ofendido. Desde que os meus véus se despedaçaram 7, cuidei de que morria; não senti nada mais, nada, senão o contato frio das moedas de ouro que eu cerrava nas mãos crispadas. O pensamento estava junto do leito de dor, onde gemia tudo que eu amava nesse mundo.

Lúcia escondeu o rosto nos meus joelhos, e emudeceu. Quando levantou a fronte, implorava com as mãos juntas e o olhar súplice. O quê? O perdão de sua primeira falta?

Não sei. Faltaram-me as palavras para consolar dor tão profunda: beijei Lúcia na face.

_ Obrigada! Exclamou ela; obrigada! Alguma cousa me diz que mereço este consolo. Terei forças para concluir. O dinheiro ganho com a minha vergonha salvou a vida de meu pai e trouxe-nos um raio de esperança. Quase de esperança. Quase que não me lembrava do que se tinha passado entre mim e aquele homem; a consciência de me ter sacrificado por aqueles que eu adorava fazia-me forte. Demais, um esquecimento profundo, só explicável pela alheação completa do espírito, ocultava-me a triste verdade. Devia compreendê-la, e de que modo, oh meu Deus!

Como impelida por um choque elétrico, Lúcia ergue-se galvanizada por súbita e violenta recordação.

_ Ainda vejo! As melhoras foram aparentes! Meus dois irmãos acabavam de expirar, minha tia entrava na agonia, minha mãe tivera um novo acesso. Felizmente, já meu pai estava em convalescença, e saiu para tratar do enterro. Ele não tinha dinheiro, apresentei-lhe as últimas moedas de ouro que me restavam. “Quem te deu este dinheiro?... Roubaste?...” contei-lhe tudo: tudo que eu sabia na minha inocência. Ele compreendeu o resto. Expulsou-me!

_ A ti, que lhe salvaste a vida?

_ Meu pai julgava que eu tinha um amante e iria viver com ele. A não ser assim, exporia sua filha a morrer de fome? Saí de casa. O ótimo ente que me sorriu e me abraçou por despedida foi o anjinho que Deus me dera por irmã e conforto. Sentei-me na calçada. Era bastante tarde já, quando uma mulher que se recolhia me perguntou o que fazia ali àquelas horas. “Perdi meu pai e minha mãe, respondi, não tenho onde viver.” Jesuína... Era ela... Levou-me consigo. Não me esqueci dos meus. À força de rogos e instancias de Jesuína mandava constantemente à casa saber noticias e levar os socorro necessários: nada faltou, nem médico, nem enfermeiras. A paz voltou enfim: e eu tive o supremo alívio de comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de minha irmã. Jesuína, o senhor adivinha o que foi ela, tinha posto um preço aos seus serviços; não sei se a primeira humilhação custou mais que a segunda; mas o sacrifício devia se consumar, porque não tive mão que me amparasse. A minha felicidade estava destruída; cuidei que não havia maior infâmia do que a minha. Resolvi viver para tranquilidade e ventura de uma família inocente da minha culpa. Quinze dias depois de ser expulsa por meu pai... o que fui.

O sorriso pálido que contraiu o rosto de Lúcia parecia despedaçar- lhe a alma nos lábios:

_ Sabe agora o segredo da cupidez e avareza de que me acusavam. Encontram-se no Rio de Janeiro homens como Jacinto, que vivem da prostituição das mulheres pobres e da devassidão dos homens risos: por intermédio dele vendia quanto me davam de algum valor. Todo esse dinheiro adquirido com a minha infâmia era destinado a socorrer meu pai e a fazer um dote para Ana. Jesuína continuava a servir-me. Minha família vivia tranquila, e seria feliz se a lembrança do meu erro não a perseguisse. Nisto uma moça quase de minha idade veio morar comigo; a semelhança de nossos destinos fez-nos amigas; porém Deus quis que eu carregasse só a minha cruz. Lúcia morreu tísica; quando veio o médico passar o atestado, troquei os nossos nomes. Meu pai leu nos jornais o óbito de sua filha; e muitas vezes o encontrei junto dessa sepultura onde ele ia rezar por mim, e eu pela única amiga que tive neste mundo.

_ Morri pois para o mundo e para minha família. Foi então que aceitei agradecida o oferecimento que me fizeram de levar-me à Europa. Um ano de ausência devia quebrar os últimos laços que me prendiam. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída. Eles tinham-me perdoado. Quando voltei, só restava de minha família uma irmã, Ana, meu anjo da guarda. Está num colégio educando-se.

“Eis minha vida. O que se passava em mim é difícil de compreender, e mais difícil de confessar. Eu tinha-me vendido a todos os caprichos e extravagâncias; deixara-me arrastar ao mais profundo abismo da depravação; contudo, quando entrava em mim, na solidão de minha vida intima, sentia que eu não era uma cortesã como aquelas que me cercavam 8. Os homens que chamavam meus amantes valiam menos para mim do que um animal; às vezes tinha-lhes asco e nojo. Ficaram gravados no meu coração certos germes de virtude... Essa palavra é uma profanação nos meus lábios, mas não sei outra. Havia no meu coração germes de virtude, que eu não podia arrancar, e que ainda nos excessos do vicio não me deixavam cometer uma ação vil. Vendia-me, mas francamente e de boa-fé; aceitava a prodigalidade do rico; nunca a ruína e a miséria de uma família.

“Aquele esquecimento profundo, aquela alheação absoluta do espírito, que eu sentira da primeira vez, continuou sempre. Era a tal ponto que depois não me lembrava de cousa alguma; fazia-se como que uma interrupção, um vácuo na minha vida. No momento em que uma palavra me chamava ao meu papel, insensivelmente pela força do hábito, eu me esquivava, separava-me de mim mesma, e fugia deixando no meu lugar outra mulher, a cortesã sem pudor e sem consciência, que eu desprezava, como uma coisa sórdida e abjeta.

“Mas horrível era quando nos braços este corpo sem alma despertava pelos sentidos. Oh! Ninguém pode imaginar! Queria resistir e não podia! Queria matar-me trucidando a carne rebelde! Tinha instintos de fera! Era uma raiva e desespero, que me davam ímpetos de estrangular o meu algoz. Passado esse suplício restava uma vaga sensação de dor, e um rancor profundo pelo ente miserável que me arrancara o prazer das entranhas convulsas!”

comovida e lacrimosa, ela atirou-se ao meu peito, e enlaçou-me com os braços trêmulos:

_ Perdão! Houve um momento bem rápido em que o odiei também! Como sofri, meu Deus! Devia resgatar pela dor a felicidade que pela dor havia perdido!

Lúcia, concluindo essa narração, que a fatigara em extremo, enxugou as lágrimas e deu algumas voltas pela sala.

_ Se eu ainda tivesse junto de mim todos os entes queridos que perdi, disse-me com lentidão, veria morrerem um a um diante de meus olhos, e não os salvaria a tal preço. Tive força para sacrificar-lhes outrora meu corpo virgem; hoje, depois de cinco anos de infâmia, sinto que não teria coragem de profanar a castidade de minha alma. Não sei o que sou, sei que começo a viver, que ressuscitei agora. Ainda duvidará de mim?

_ Tu és um anjo, minha Lúcia!

  

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1 -  O Artista divino é Deus. No romantismo, aceitava-se, em geral, uma divindade criadora de universo, mas sem que essa aceitação implicasse a noção de religião propriamente dita.

2 -   Aqui a visão tipicamente idealista do Romantismo: a poesia, a arte em geral, deve embelezar o real e não copiá-lo fielmente.

3 -  Esse parágrafo exemplifica bem um traço do estilo de Alencar: através de uma comparação (palma – talhe), sublinha a suavidade de Lucíola, o que se opõe à violência de uma nova comparação (palavra – gota de metal em fusão) atribuída à fala da moça.

4 -  Essa é a frase central desse trecho. Através dela, constata-se claramente, pela própria fala de Lúcia, que ela assume conscientemente seu papel no romance: o papel de uma mulher que vende seu corpo para sobreviver.

5 - Lúcia se despe e fica nua para representar ao vivo os quadros. Alencar assinala apenas o rugir da seda. Se, por um lado, é extremamente discreto, por outro, sua discrição é bastante poderosa como sugestão se sensualidade.

6 - Nas obras de Alencar, como, aliás, na sociedade de seu tempo, identificava-se a honra e a virtude da mulher com sua virgindade física.

7-  Atente-se, aqui, para a bela e pungente metáfora do defloramento de Lúcia. Nesse momento, Alencar faz Lúcia pensar, não no que está acontecendo, mas, significativamente, nas moedas de ouro, que sua mão aperta, e nos seus parentes, que agonizam. Logo adiante, Lúcia falará em seu sacrifício.

8 -  O texto dissocia claramente corpo e espírito, uma postura típica do Romantismo. O corpo pode se envolver em situações degradantes e a alma permanecer dissociada do que acontece com o corpo. Isso é claramente sugerido logo abaixo, quando Lúcia diz que, a cada vez que se prostituía, separava-me de mim mesma, e fugia deixando no meu lugar outra mulher.

9 -   Essa frase de Paulo, coroando a história da prostituição de Lúcia, é a chave do romance, que tranquiliza os leitores, à medida que apresenta a personagem redimida pelo amor.














          

  O ROMANCE E A NOVELA (Por Orlando Tadeu Ataíde Leite)       Pois bem, vamos lá.       Diferentemente do conto e da crônica o romance e a n...