segunda-feira, 19 de abril de 2021

                                                SOBRE O LIXÃO DE MARITUBA       

As empresas Guamá e Revita integram o rol de 50 empresas do grupo Solvi Participação S.A., com atuação no Brasil, Argentina, Peru e Bolívia. Em suas comunicações institucionais, o grupo defende valores como “sustentabilidade”, “ética”, integridade”, “responsabilidade social”.  No ano de 2017, o grupo Solvi fechou o exercício financeiro com um resultado líquido de mais de 100 milhões de reais e um patrimônio líquido acima de 2 bilhões de reais (Solvi Participações, s/d, p. 26). No mesmo relatório de demonstrações financeiras, no item “Passivo contingente”, o grupo Solvi e suas empresas aparecem como parte de 17 processos (civis, penais, trabalhistas), entre os quais os deflagrados pela operação Gramacho no Pará. No caso específico do Lixão de Marituba, entendem, conforme o documento, que “as denúncias carecem de comprovação probatória, portanto não foi constituída provisão contábil para fazer face a esse assunto” (ibid., p. 4). A empresa também afirma que teve todos os seus procedimentos licenciados pelo órgão competente, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semas) – Licença prévia em 2012; Licença de Instalação, em 2013; e de Operação, em 2014 – o que, entretanto, encontra-se sob questionamento judicial.

A mais recente das ações do Ministério Público do Pará, de fevereiro de 2020 (MMPA, 2020), e a quinta contra a empresa, investiga o que os movimentos sociais e ativistas ambientais denunciam, desde o início da implantação do aterro em Marituba: a suspeita de que a licença ambiental foi concedida indevidamente. Segundo o MPPA, “a empresa [Guamá] recebeu licenças para se instalar e funcionar mesmo tendo descumprido aspectos da legislação ambiental”, como a “utilização de equipamentos adequados para o tratamento de resíduos e a adoção de providências para reduzir os impactos ambientais do aterro”. O MPPA também já havia questionado e conseguido reverter a decisão do atual governo do estado de abrir mão da ação por danos morais e materiais ambientais que o estado move contra as empresas donas do aterro. “Pelo acordo, haveria extinção dessa ação, sem garantia ou qualquer contrapartida por parte da empresa para a sociedade atingida” (MPPA, 2019).

Também em 2017, com o aterro operando há cerca de dois anos, a prefeitura de Marituba, pressionada pelos movimentos sociais e ambientais, havia decretado “situação de emergência” no município (decreto n. 508/2017), em função dos danos sociais, ambientais e econômicos causados pelo aterro, entre os quais o documento destacava:

  • o acúmulo de chorume,  além da capacidade do sistema de drenagem do aterro, “sem qualquer tratamento”, carreado para a micro bacia hidrográfica do município;
  • a ameaça ambiental, pelo chorume carreado para dentro da unidade de conservação de proteção integral Refúgio de Vida Silvestre Metrópole da Amazônia (Revis), rica em espécies endêmicas e considerada a segunda maior reserva florestal em área urbana do país;
  • o “forte odor”, sentido em vários bairros do município, oriundo das células de resíduos sólidos recobertas fora das normas técnicas;
  • o aumento “gigantesco” de atendimento nas unidades de saúde, aumento de demandas de medicamentos;
  • “grandes prejuízos econômicos” gerados pelo fechamento dos comércios, balneários (como são chamados na região locais de banho à beira de igarapés) e restaurantes nas proximidades do aterro;
  • uma comunidade tradicional secular – a comunidade Quilombola do Abacatal – afetada diretamente tanto pelo forte odor como pelo chorume carreado para os cursos de água que abastecem e fornecem alimento aos seus moradores.

Durante todo o tempo, a empresa Guamá Tratamento de Resíduos negou a existência de irregularidades (Portal G1 – Pará, 2017b). Não obstante, na fala do pesquisador do Instituto Evandro Chagas, responsável pelo estudo técnico sobre a exposição de nove comunidades à contaminação por metais nos arredores do aterro sanitário, chamado Lixão de Marituba, chama a atenção a força probatória da contaminação.

Encontramos várias anomalias. Entre os mais nocivos: mercúrio, chumbo e manganês. Encontramos cobalto, elemento muito difícil de encontrar na água. Geralmente está associado a materiais condutores, como baterias e placas. Também identificamos cobalto na poeira (na parte mais externa, onde brincam as crianças) [...] no solo, destaco a presença de cobre em um nível muito alto (numa das comunidades mais próximas ao Lixão). O cobre está muito associado ao lixo. E esse é o maior indicador de que tem um problema com resíduos. (Pesquisador do IEC, Marcelo Lima, no Portal ORM, O Liberal, 5 fev 2019)

O resultado, segundo o pesquisador, ainda não é conclusivo. Uma segunda etapa de verificação seria necessária para determinar a responsabilidade e a dimensão dos danos à saúde das pessoas e ao ambiente no entorno do aterro. Para isso, seriam necessários “recursos e nova solicitação da Semas”. Até o momento, não há monitoramento regular e não há informação sobre a continuidade dos testes.

Nesse episódio, chamaram a atenção também o silêncio da grande imprensa e a ausência de repercussão sobre o resultado alarmante do estudo do Evandro Chagas. Situação similar já havia se revelado no episódio escandaloso da operação Gramacho. Com mandados de prisão cumpridos em vários Estados e a responsabilização de altos executivos de um grande grupo econômico nacional, a cobertura midiática do fato foi por fim acanhada, restringindo-se aos veículos locais e regionais.

            Fonte: elaborados pelas autoras. Ipea. Atlas de Vulnerabilidade Social (AVS) – http://ivs.ipea.gov.br

    

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