LUCÍOLA (ROMANCE DE JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR)
Lucíola
narra a história de uma menina, Maria da Glória, que se vê forçada a
prostituir-se para salvar a vida de sua família, dizimada pela febre amarela.
Para evitar a vergonha sobre sua família, dá seu nome, Maria da Glória, ao
médico que vai atestar óbito de uma moça sem família que morrera em sua casa.
Adota, então, o nome da morta, Lúcia, e torna-se uma das prostitutas mais
requisitadas da corte.
O título do livro é explicado pelo
próprio Alencar, na nota introdutória: “Lucíola é o lampiro noturno que brilha
de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem
verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?”
Um dia, Lúcia conhece Paulo, ambos se
apaixonam, e Lúcia, aos poucos, abandona a prostituição, mas não se realiza sua
união final com Paulo, pois ela morre, não sem antes encaminhar sua irmã mais
nova para uma vida diferente da sua, sob a proteção de Paulo.
A narração do romance é conduzida por
Paulo em primeira pessoa, de forma que a história é contada de sua perspectiva.
Não obstante o livro girar em torno de uma prostituta, Lucíola é um romance
extremamente moralista e moralizante.
O livro dissocia radicalmente o amor
físico e o amor espiritual. Quando Lúcia se apaixona por Paulo, começa a
afastar-se de sua vida de prostituição e, mais do que isso, começa a abster-se
de qualquer relação sexual. Inicialmente, recusa os seus fregueses habituais.
Posteriormente, conforme aumenta o amor dos dois, a relação entre ambos
torna-se platônica, o que simbolicamente abre caminho para a “purificação” da
moça.
Essa purificação, porém, não é
suficiente para que a sociedade (nem o romancista...) a perdoe. Por assim
dizer, a culpa a impede de casar-se com Paulo, e ela e o filho que tiveram
morrerão no fim do romance.
Todavia, o processo de purificação vai
tão longe que, no final, Paulo diz que possui a alma de Lúcia.
Foram selecionados dois capítulos. O
primeiro fala da ceia, em que Alencar se detém na descrição da festa, mostrando
Lúcia em suas poses lúbricas e fazendo-a confessar explicitamente a Paulo seu
modo de vida. Observe como Alencar é extremamente discreto na descrição da
bacanal, mas, por causa mesmo desta discrição, extremamente erótico.
O outro capítulo selecionado é o da
história de Lúcia, onde ficamos sabendo das circunstâncias que a levaram à
prostituição: a necessidade de salvar a família e a hipocrisia social.
CAPÍTULO VII
Estávamos sós; a pêndula
marcava uma hora e quarenta minutos; pouco tardia o momento solene que dono da
casa, novo Erasmo, destinara para a inauguração da loucura.
_ Meus senhores,
confesso que a minha vaidade de anfitrião, amador das artes, está um tanto
humilhada! Ainda não disseram uma palavra a respeito dos meus quadros!
_ De quem é a
culpa? A magnificência da ceia e a amabilidade do hóspede não consentiram que
levantássemos os olhos.
_ Mas são
realmente soberbas estas pinturas!... exclamou o Couto. Que posições
admiráveis!... Ressuscitariam um morto. Apenas noto a ausência absoluta do sexo
feio.
_ Isso prova o
bom gosto do pintor.
_ E o mau gosto
das filhas de Lesbos.
_ Então acham
essas mulheres admiráveis?
_ Provocantes!
_
Arrebatadoras!...
_ E tu, Paulo,
que dizes?
_ Digo que vi
ontem um quadro deste gênero, que eu não trocaria por todas as tuas pinturas!
Era uma mulher; mas as formas palpitavam; a carne latejava sob os olhos que a
devoravam; os lábios comiam de beijo a vítima que eles provocavam; e entre a
cútis transparente corria o sangue, que se precipitava do coração espadanando
em cascatas!
_Sublime! A
descrição é digna de um quadro... que eu não vi! Disse o Rochinha.
_ Onde
descobrisse essa maravilha?
_ É meu segredo.
_ Nem se pode
saber o nome do artista, Sr. Silva?
_ Não o
adivinharam ainda!
_ Será Rafael?
_ É um Ticiano
póstumo!
_ Ou algum gênio
desconhecido?
_ Enganaram-se:
é um artista de todos os tempos e de todos os países; é o artista divino¹ que
fez as flores, as estrelas e as mulheres!
_ Ah! Neste
gênero de pintura tenho visto o melhor que é possível!
_ Eu aposto,
disse Lúcia, que o Sr. Silva, como os poetas, embelezou o seu quadro². Viu o
que sentia; mas não o que era.
_ Que importa! É outra ilusão minha que desejo
guardar.
_ Talvez não a guarde por muito tempo.
_ Pois, meus senhores, continuou Sá, mostrando-lhes
estas pinturas, preparei-lhes uma agradável surpresa. É nada menos que o
original delas; não o original frio e calmo, mas um verdadeiro modelo, vivendo,
palpitando, sorrindo, esculpindo em carne todas as paixões que deviam ferver no
coração daquelas mulheres.
_ Onde está ele?
_ Lúcia vai mostrar-nos.
_ Ah!...
_ Magnífico!
_ Que maçada! Esqueci o meu pince-nez, disse o Rochinha.
_ Está pronta, Lúcia?
Ela ergueu-se, circulando a mesa com o olhar ardente e
fascinado.
_ Tu não farás isto, Lúcia! Disse-lhe eu à meia voz.
Dobrando como uma palma flexível o seu talhe esbelto, atirou-me ao ouvido uma
palavra, que vazou no meu cérebro e correu-me pela medula dos ossos, como gota
de metal em fusão³.
_ É preciso pagar a conta da ceia 4!
Travei-lhe da mão:
_ Eu te suplico.
O seu corpo oscilou; caiu inerte sobre a cadeira.
_ Que é isso? Exclamou Sá. Tens vergonha de Paulo? É a
única pessoa demais que está hoje aqui.
_ Ah! Não é a primeira vez? Perguntei empalidecendo.
_ Será a primeira vez que copiará estes quadros, pois
não há oito dias que os comprei; mas Lúcia não precisa de modelos, e já nos
mostrou, não uma, porém muitas noites, que tem, com a beleza dos anjos, o gênio
da estatuária. Não é verdade, meus senhores?
_ Bem vês, Sá, que a honra não é para todos. Sou
indigno dela! Disse eu.
_ O que me está parecendo é que Lúcia quer
apaixonar-te. Soltei uma gargalhada.
_ Perde o seu tempo! A mim?
Lúcia ergueu a cabeça com orgulho satânico, e
levantando-se de um salto, agarrou uma garrafa de champanha, quase cheia.
Quando a pousou sobre a mesa, todo o vinho tinha-lhe passado pelos lábios, onde
a espuma fervilhava ainda. Ouvi o rugido da seda 5: diante de meus olhos
deslumbrados passou a divina aparição que admirava na véspera.
Lúcia saltava sobre a mesa. Arrancando uma palma de um
dos jarros de flores, trançou-a nos cabelos, coroando-se de verbena, como as
virgens gregas. Depois agitando as longas tranças negras, que se enroscaram
quais serpes vivas, retraiu os rins num requebro sensual, arqueou os braços e
começou a imitar uma a uma as lascivas pinturas; mas a imitar com a posição,
com o gesto, com a sensação do gozo voluptuoso que lhe estremecia o corpo, com
a voz que expirava no flébil suspiro e no beijo soluçante, com a palavra
trêmula que borbulhava dos lábios no delíquio do êxtase amoroso.
Deviam de ser sublimes de beleza e sensualidade esses
quadros vivos, que se sucediam rápidos; porque até as mulheres aplaudiam com
entusiasmo e frenesi. Revoltou-me tanto cinismo; ergui-me da mesa.
_ Que é isso? Não admiras? O que viste era mais
perfeito.
_ Não por certo!... Estes quadros são mais expressivos
e naturais! São sublimes de verdade! Porém sinto-me sufocado pela atmosfera
desta sala: preciso de ar.
Abri a porta que dava para o jardim, e saí.
CAPÍTULO XIX
Lúcia ficou um momento absorvida nas suas recordações;
afinal chegando um banquinho de tapete, sentou-se aos meus pés:
_ Deixamos São Domingos para vir morar na Corte:
tinham dado a meu pai um emprego nas obras públicas. Vivemos dois anos ainda
bem felizes. À noite, toda a família se reunia na sala; eu dava a minha lição
de francês a meu mano mais velho, ou a lição de piano com minha tia. Depois
passávamos o serão ouvindo meu pai ler ou contar alguma história. Às nove horas
ele fechava o livro, e minha mãe dizia: “Maria da Glória, teu pai quer cear”.
Levantava-me então para deitar a toalha.
_ Maria da Gloria!
_ É meu nome. Foi Nossa Senhora, minha madrinha, quem
me deu. Nasci a 15 de agosto. Por isso todos os anos vou levar-lhe um trabalho
de minhas mãos, e pedir-lhe que me perdoe. Outrora pedia-lhe que me fizesse
feliz; toda a minha família acompanhava: agora vou só e escondida.
_ E que é feito de tua família?
_ Lembra-se da febre amarela em 1850?
_Não estava aqui.
_ É verdade, foi um ano terrível. Meu pai, minha mãe,
meus manos, todos caíram doentes: só havia em pé minha tia e eu. Uma vizinha
que viera acudir-nos, adoecera à noite e não amanheceu. Ninguém mais se animou
a fazer-nos companhia. Estávamos na penúria: algum dinheiro que nos tinham emprestado
mal chegara para a botica. O médico que nos fazia a esmola de tratar dera uma
queda de cavalo e estava mal. Para cúmulo de desespero, minha tia uma manhã não
pôde se erguer da cama; estava também com a febre, fiquei só! Uma menina de 14
anos para tratar de seis doentes graves, e achar recursos onde não havia. Não
sei como não enlouqueci.
Lúcia apertou a cabeça com as mãos, como se ainda
temera que a razão lhe fugisse.
_ Tudo quanto era possível, meu Deus, sinto que o fiz.
Não dormia; sustentava-me com uma xícara de café. Nalgum momento de repouso ia
à porta e pedia aos que passavam. Pedia para meu pai enfermo e para minha mãe
moribunda, não tinha vexame. Uma tarde perdi a coragem: meu irmão estava na
agonia, minha mãe despedira-se de mim, e Ana, minha irmãzinha, que eu tinha
criado e amava como minha filha, já não dava acordo de si. Passou um vizinho.
Falei-lhe; ele me consolou, e disse-me que o acompanhasse à sua casa. A
inocência e a dor me cegavam: acompanhei-o.
Lúcia fez um esforço para continuar:
_ Esse homem era o Couto...
_ Ah!
_ Ele tirou do bolso algumas moedas de ouro, sobre as
quais me precipitei, pedindo-lhe de joelhos que mas desse para salvar minha
mãe; mas senti os seus lábios que me tocavam, e fugi. Oh! Não posso contar-lhe
que a luta foi a minha: três vezes corri espavorida até a casa, e diante
daquela agonia sentia renascer a coragem, e voltava. Não sabia o que queria
esse homem: ignorava então o que é a honra e a virtude da mulher 6; o que se
revoltava em mim era o pudor ofendido. Desde que os meus véus se despedaçaram
7, cuidei de que morria; não senti nada mais, nada, senão o contato frio das
moedas de ouro que eu cerrava nas mãos crispadas. O pensamento estava junto do
leito de dor, onde gemia tudo que eu amava nesse mundo.
Lúcia escondeu o rosto nos meus joelhos, e emudeceu.
Quando levantou a fronte, implorava com as mãos juntas e o olhar súplice. O
quê? O perdão de sua primeira falta?
Não sei. Faltaram-me as palavras para consolar dor tão
profunda: beijei Lúcia na face.
_ Obrigada! Exclamou ela; obrigada! Alguma cousa me
diz que mereço este consolo. Terei forças para concluir. O dinheiro ganho com a
minha vergonha salvou a vida de meu pai e trouxe-nos um raio de esperança.
Quase de esperança. Quase que não me lembrava do que se tinha passado entre mim
e aquele homem; a consciência de me ter sacrificado por aqueles que eu adorava
fazia-me forte. Demais, um esquecimento profundo, só explicável pela alheação
completa do espírito, ocultava-me a triste verdade. Devia compreendê-la, e de que
modo, oh meu Deus!
Como impelida por um choque elétrico, Lúcia ergue-se
galvanizada por súbita e violenta recordação.
_ Ainda vejo! As melhoras foram aparentes! Meus dois
irmãos acabavam de expirar, minha tia entrava na agonia, minha mãe tivera um
novo acesso. Felizmente, já meu pai estava em convalescença, e saiu para tratar
do enterro. Ele não tinha dinheiro, apresentei-lhe as últimas moedas de ouro
que me restavam. “Quem te deu este dinheiro?... Roubaste?...” contei-lhe tudo:
tudo que eu sabia na minha inocência. Ele compreendeu o resto. Expulsou-me!
_ A ti, que lhe salvaste a vida?
_ Meu pai julgava que eu tinha um amante e iria viver
com ele. A não ser assim, exporia sua filha a morrer de fome? Saí de casa. O
ótimo ente que me sorriu e me abraçou por despedida foi o anjinho que Deus me
dera por irmã e conforto. Sentei-me na calçada. Era bastante tarde já, quando
uma mulher que se recolhia me perguntou o que fazia ali àquelas horas. “Perdi
meu pai e minha mãe, respondi, não tenho onde viver.” Jesuína... Era ela...
Levou-me consigo. Não me esqueci dos meus. À força de rogos e instancias de
Jesuína mandava constantemente à casa saber noticias e levar os socorro
necessários: nada faltou, nem médico, nem enfermeiras. A paz voltou enfim: e eu
tive o supremo alívio de comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de
minha irmã. Jesuína, o senhor adivinha o que foi ela, tinha posto um preço aos
seus serviços; não sei se a primeira humilhação custou mais que a segunda; mas
o sacrifício devia se consumar, porque não tive mão que me amparasse. A minha
felicidade estava destruída; cuidei que não havia maior infâmia do que a minha.
Resolvi viver para tranquilidade e ventura de uma família inocente da minha
culpa. Quinze dias depois de ser expulsa por meu pai... o que fui.
O sorriso pálido que contraiu o rosto de Lúcia parecia despedaçar- lhe a alma nos lábios:
_ Sabe agora o segredo da cupidez e avareza de que me
acusavam. Encontram-se no Rio de Janeiro homens como Jacinto, que vivem da
prostituição das mulheres pobres e da devassidão dos homens risos: por
intermédio dele vendia quanto me davam de algum valor. Todo esse dinheiro
adquirido com a minha infâmia era destinado a socorrer meu pai e a fazer um
dote para Ana. Jesuína continuava a servir-me. Minha família vivia tranquila, e
seria feliz se a lembrança do meu erro não a perseguisse. Nisto uma moça quase
de minha idade veio morar comigo; a semelhança de nossos destinos fez-nos
amigas; porém Deus quis que eu carregasse só a minha cruz. Lúcia morreu tísica;
quando veio o médico passar o atestado, troquei os nossos nomes. Meu pai leu
nos jornais o óbito de sua filha; e muitas vezes o encontrei junto dessa
sepultura onde ele ia rezar por mim, e eu pela única amiga que tive neste
mundo.
_ Morri pois para o mundo e para minha família. Foi
então que aceitei agradecida o oferecimento que me fizeram de levar-me à
Europa. Um ano de ausência devia quebrar os últimos laços que me prendiam. Meus
pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha
prostituída. Eles tinham-me perdoado. Quando voltei, só restava de minha
família uma irmã, Ana, meu anjo da guarda. Está num colégio educando-se.
“Eis minha vida. O que se passava em mim é difícil de
compreender, e mais difícil de confessar. Eu tinha-me vendido a todos os
caprichos e extravagâncias; deixara-me arrastar ao mais profundo abismo da
depravação; contudo, quando entrava em mim, na solidão de minha vida intima,
sentia que eu não era uma cortesã como aquelas que me cercavam 8. Os homens que
chamavam meus amantes valiam menos para mim do que um animal; às vezes
tinha-lhes asco e nojo. Ficaram gravados no meu coração certos germes de
virtude... Essa palavra é uma profanação nos meus lábios, mas não sei outra.
Havia no meu coração germes de virtude, que eu não podia arrancar, e que ainda
nos excessos do vicio não me deixavam cometer uma ação vil. Vendia-me, mas
francamente e de boa-fé; aceitava a prodigalidade do rico; nunca a ruína e a
miséria de uma família.
“Aquele esquecimento profundo, aquela alheação absoluta
do espírito, que eu sentira da primeira vez, continuou sempre. Era a tal ponto
que depois não me lembrava de cousa alguma; fazia-se como que uma interrupção,
um vácuo na minha vida. No momento em que uma palavra me chamava ao meu papel,
insensivelmente pela força do hábito, eu me esquivava, separava-me de mim
mesma, e fugia deixando no meu lugar outra mulher, a cortesã sem pudor e sem
consciência, que eu desprezava, como uma coisa sórdida e abjeta.
“Mas horrível era quando nos braços este corpo sem
alma despertava pelos sentidos. Oh! Ninguém pode imaginar! Queria resistir e
não podia! Queria matar-me trucidando a carne rebelde! Tinha instintos de fera!
Era uma raiva e desespero, que me davam ímpetos de estrangular o meu algoz.
Passado esse suplício restava uma vaga sensação de dor, e um rancor profundo
pelo ente miserável que me arrancara o prazer das entranhas convulsas!”
comovida e lacrimosa, ela atirou-se ao meu peito, e
enlaçou-me com os braços trêmulos:
_ Perdão! Houve um momento bem rápido em que o odiei
também! Como sofri, meu Deus! Devia resgatar pela dor a felicidade que pela dor
havia perdido!
Lúcia, concluindo essa narração, que a fatigara em
extremo, enxugou as lágrimas e deu algumas voltas pela sala.
_ Se eu ainda
tivesse junto de mim todos os entes queridos que perdi, disse-me com lentidão,
veria morrerem um a um diante de meus olhos, e não os salvaria a tal preço.
Tive força para sacrificar-lhes outrora meu corpo virgem; hoje, depois de cinco
anos de infâmia, sinto que não teria coragem de profanar a castidade de minha
alma. Não sei o que sou, sei que começo a viver, que ressuscitei agora. Ainda
duvidará de mim?
_ Tu és um anjo, minha Lúcia!
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1 - O Artista divino é Deus. No romantismo,
aceitava-se, em geral, uma divindade criadora de universo, mas sem que essa
aceitação implicasse a noção de religião propriamente dita.
2 - Aqui a visão tipicamente idealista do Romantismo: a
poesia, a arte em geral, deve embelezar o real e não copiá-lo fielmente.
3 - Esse parágrafo exemplifica bem um traço do estilo de
Alencar: através de uma comparação (palma – talhe), sublinha a suavidade
de Lucíola, o que se opõe à violência de uma nova comparação (palavra – gota
de metal em fusão) atribuída à fala da moça.
4 - Essa é a frase central desse trecho. Através dela, constata-se
claramente, pela própria fala de Lúcia, que ela assume conscientemente seu
papel no romance: o papel de uma mulher que vende seu corpo para sobreviver.
5 - Lúcia se despe e fica nua para representar ao vivo os
quadros. Alencar assinala apenas o rugir da seda. Se, por um lado, é
extremamente discreto, por outro, sua discrição é bastante poderosa como
sugestão se sensualidade.
6 - Nas obras de Alencar, como, aliás, na sociedade de seu
tempo, identificava-se a honra e a virtude da mulher com sua virgindade física.
7- Atente-se, aqui, para a bela e pungente metáfora do
defloramento de Lúcia. Nesse momento, Alencar faz Lúcia pensar, não no que está
acontecendo, mas, significativamente, nas moedas de ouro, que sua mão
aperta, e nos seus parentes, que agonizam. Logo adiante, Lúcia falará em
seu sacrifício.
8 - O texto dissocia claramente corpo e espírito, uma
postura típica do Romantismo. O corpo pode se envolver em situações degradantes
e a alma permanecer dissociada do que acontece com o corpo. Isso é claramente
sugerido logo abaixo, quando Lúcia diz que, a cada vez que se prostituía, separava-me
de mim mesma, e fugia deixando no meu lugar outra mulher.
9 - Essa frase de Paulo, coroando a história da
prostituição de Lúcia, é a chave do romance, que tranquiliza os leitores, à
medida que apresenta a personagem redimida pelo amor.