SOBRE O LIXÃO DE MARITUBA
As empresas Guamá e Revita integram o rol de 50
empresas do grupo Solvi Participação S.A., com atuação no Brasil, Argentina,
Peru e Bolívia. Em suas comunicações institucionais, o grupo defende valores
como “sustentabilidade”, “ética”, integridade”, “responsabilidade
social”. No ano de 2017, o grupo Solvi fechou o exercício financeiro
com um resultado líquido de mais de 100 milhões de reais e um patrimônio
líquido acima de 2 bilhões de reais (Solvi Participações, s/d, p. 26). No mesmo
relatório de demonstrações financeiras, no item “Passivo contingente”, o grupo
Solvi e suas empresas aparecem como parte de 17 processos (civis, penais,
trabalhistas), entre os quais os deflagrados pela operação Gramacho no Pará. No
caso específico do Lixão de Marituba, entendem, conforme o documento, que “as
denúncias carecem de comprovação probatória, portanto não foi constituída
provisão contábil para fazer face a esse assunto” (ibid., p. 4). A empresa
também afirma que teve todos os seus procedimentos licenciados pelo órgão
competente, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semas) – Licença prévia em
2012; Licença de Instalação, em 2013; e de Operação, em 2014 – o que,
entretanto, encontra-se sob questionamento judicial.
A mais recente das ações do Ministério Público do
Pará, de fevereiro de 2020 (MMPA, 2020), e a quinta contra a empresa, investiga
o que os movimentos sociais e ativistas ambientais denunciam, desde o início da
implantação do aterro em Marituba: a suspeita de que a licença ambiental foi
concedida indevidamente. Segundo o MPPA, “a empresa [Guamá] recebeu licenças
para se instalar e funcionar mesmo tendo descumprido aspectos da legislação
ambiental”, como a “utilização de equipamentos adequados para o tratamento de
resíduos e a adoção de providências para reduzir os impactos ambientais do
aterro”. O MPPA também já havia questionado e conseguido reverter a decisão do
atual governo do estado de abrir mão da ação por danos morais e materiais
ambientais que o estado move contra as empresas donas do aterro. “Pelo acordo,
haveria extinção dessa ação, sem garantia ou qualquer contrapartida por parte
da empresa para a sociedade atingida” (MPPA, 2019).
Também em 2017, com o aterro operando há cerca de
dois anos, a prefeitura de Marituba, pressionada pelos movimentos sociais e
ambientais, havia decretado “situação de emergência” no município (decreto n.
508/2017), em função dos
danos sociais, ambientais e econômicos causados pelo aterro, entre os quais o
documento destacava:
- o acúmulo de chorume, além da capacidade do sistema de drenagem do aterro, “sem
qualquer tratamento”, carreado para a micro bacia hidrográfica do
município;
- a
ameaça ambiental, pelo chorume carreado para dentro da unidade de
conservação de proteção integral Refúgio de Vida Silvestre Metrópole da
Amazônia (Revis), rica em espécies endêmicas e considerada a segunda maior
reserva florestal em área urbana do país;
- o
“forte odor”, sentido em vários bairros do município, oriundo das células
de resíduos sólidos recobertas fora das normas técnicas;
- o
aumento “gigantesco” de atendimento nas unidades de saúde, aumento de
demandas de medicamentos;
- “grandes
prejuízos econômicos” gerados pelo fechamento dos comércios, balneários
(como são chamados na região locais de banho à beira de igarapés) e
restaurantes nas proximidades do aterro;
- uma comunidade tradicional secular – a comunidade Quilombola do
Abacatal – afetada diretamente tanto pelo forte odor como pelo chorume
carreado para os cursos de água que abastecem e fornecem alimento aos seus
moradores.
Durante todo o tempo, a empresa Guamá Tratamento de
Resíduos negou a existência de irregularidades (Portal G1 – Pará, 2017b). Não
obstante, na fala do pesquisador do Instituto Evandro Chagas, responsável pelo
estudo técnico sobre a exposição de nove comunidades à contaminação por metais
nos arredores do aterro sanitário, chamado Lixão de Marituba, chama a atenção a
força probatória da contaminação.
Encontramos várias
anomalias. Entre os mais nocivos: mercúrio, chumbo e manganês. Encontramos
cobalto, elemento muito difícil de encontrar na água. Geralmente está associado
a materiais condutores, como baterias e placas. Também identificamos cobalto na
poeira (na parte mais externa, onde brincam as crianças) [...] no solo, destaco a presença de cobre em um nível muito alto (numa das
comunidades mais próximas ao Lixão). O cobre está muito associado ao lixo. E
esse é o maior indicador de que tem um problema com resíduos. (Pesquisador do IEC, Marcelo Lima, no Portal
ORM, O Liberal, 5 fev
2019)
O resultado, segundo o pesquisador, ainda não é
conclusivo. Uma segunda etapa de verificação seria necessária para determinar a
responsabilidade e a dimensão dos danos à saúde das pessoas e ao ambiente no
entorno do aterro. Para isso, seriam necessários “recursos e nova solicitação
da Semas”. Até o momento, não há monitoramento regular e não há informação sobre
a continuidade dos testes.
Nesse episódio, chamaram a atenção também o
silêncio da grande imprensa e a ausência de repercussão sobre o resultado
alarmante do estudo do Evandro Chagas. Situação similar já havia se revelado no
episódio escandaloso da operação Gramacho. Com mandados de prisão cumpridos em
vários Estados e a responsabilização de altos executivos de um grande grupo
econômico nacional, a cobertura midiática do fato foi por fim acanhada,
restringindo-se aos veículos locais e regionais.
Fonte: elaborados pelas autoras. Ipea. Atlas de Vulnerabilidade Social
(AVS) – http://ivs.ipea.gov.br