terça-feira, 7 de setembro de 2021

                               BOTO É NAMORADOR

Olha o boto, olha o boto, olha o boto olha lá!

Na desponta da maré ele pode boiar;

No clarão da lua cheia ele vem pra namorar,

Onde tem mulher bonita ele vai se achegar;

 

Com um chapéu de palha, um chapéu de palha,

Um chapéu de palha na cabeça,

Vem passear na praia, passear na praia,

Assim que a lua cheia apareça.  

 

Boto vem pra namorar, ele vem pra namorar,  

E logo volta para o mar assim que vê o sol raiar

Com suas vestes brancas e o chapéu de palha

Um chapéu de palha na cabeça.  

                  

Olha o boto, olha o boto, olha o boto acolá,

Na desponta da maré ele acaba de boiar

No clarão da lua cheia ele vem pra namorar

Onde tem mulher bonita é que ele vem se achegar.

 

E seja loiro ou moreno ele sabe conquistar,

Boto faz sua conquista quando a chama pra dançar

Logo vai com sua prenda para a praia passear

E depois do ocorrido nunca mais irá voltar.

                    

Com lenço e navalha e um chapéu de palha,  

Um chapéu de palha na cabeça,

Depois de namorar o boto logo fugirá,

Antes que nasça o sol e a lua cheia, assim, desapareça.

 

Olha o boto olha o boto, olha o boto onde está,

Assim que nasceu o sol ele se foi para o mar,

Ninguém notou quando chegou,

Ninguém o viu sumir no mar,

 

Com um chapéu de palha, um chapéu de palha,

Um chapéu de palha na cabeça,

Ninguém vai reparar ninguém vai criticar,

Caso a barriga dela logo cresça.

                           Francisco Poeta (fevereiro de 1993) 

                          

                  LUCÍOLA   (ROMANCE DE JOSÉ MARTINIANO DE ALENCAR) 

Lucíola narra a história de uma menina, Maria da Glória, que se vê forçada a prostituir-se para salvar a vida de sua família, dizimada pela febre amarela. Para evitar a vergonha sobre sua família, dá seu nome, Maria da Glória, ao médico que vai atestar óbito de uma moça sem família que morrera em sua casa. Adota, então, o nome da morta, Lúcia, e torna-se uma das prostitutas mais requisitadas da corte.

O título do livro é explicado pelo próprio Alencar, na nota introdutória: “Lucíola é o lampiro noturno que brilha de uma luz tão viva no seio da treva e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?”

Um dia, Lúcia conhece Paulo, ambos se apaixonam, e Lúcia, aos poucos, abandona a prostituição, mas não se realiza sua união final com Paulo, pois ela morre, não sem antes encaminhar sua irmã mais nova para uma vida diferente da sua, sob a proteção de Paulo.

A narração do romance é conduzida por Paulo em primeira pessoa, de forma que a história é contada de sua perspectiva. Não obstante o livro girar em torno de uma prostituta, Lucíola é um romance extremamente moralista e moralizante.

O livro dissocia radicalmente o amor físico e o amor espiritual. Quando Lúcia se apaixona por Paulo, começa a afastar-se de sua vida de prostituição e, mais do que isso, começa a abster-se de qualquer relação sexual. Inicialmente, recusa os seus fregueses habituais. Posteriormente, conforme aumenta o amor dos dois, a relação entre ambos torna-se platônica, o que simbolicamente abre caminho para a “purificação” da moça.

Essa purificação, porém, não é suficiente para que a sociedade (nem o romancista...) a perdoe. Por assim dizer, a culpa a impede de casar-se com Paulo, e ela e o filho que tiveram morrerão no fim do romance.

Todavia, o processo de purificação vai tão longe que, no final, Paulo diz que possui a alma de Lúcia.

Foram selecionados dois capítulos. O primeiro fala da ceia, em que Alencar se detém na descrição da festa, mostrando Lúcia em suas poses lúbricas e fazendo-a confessar explicitamente a Paulo seu modo de vida. Observe como Alencar é extremamente discreto na descrição da bacanal, mas, por causa mesmo desta discrição, extremamente erótico.

O outro capítulo selecionado é o da história de Lúcia, onde ficamos sabendo das circunstâncias que a levaram à prostituição: a necessidade de salvar a família e a hipocrisia social.

 

  

CAPÍTULO VII

 


 

 Estávamos sós; a pêndula marcava uma hora e quarenta minutos; pouco tardia o momento solene que dono da casa, novo Erasmo, destinara para a inauguração da loucura.

_ Meus senhores, confesso que a minha vaidade de anfitrião, amador das artes, está um tanto humilhada! Ainda não disseram uma palavra a respeito dos meus quadros!

_ De quem é a culpa? A magnificência da ceia e a amabilidade do hóspede não consentiram que levantássemos os olhos.

_ Mas são realmente soberbas estas pinturas!... exclamou o Couto. Que posições admiráveis!... Ressuscitariam um morto. Apenas noto a ausência absoluta do sexo feio.

_ Isso prova o bom gosto do pintor.

_ E o mau gosto das filhas de Lesbos.

_ Então acham essas mulheres admiráveis?

_ Provocantes!

_ Arrebatadoras!...

_ E tu, Paulo, que dizes?

_ Digo que vi ontem um quadro deste gênero, que eu não trocaria por todas as tuas pinturas! Era uma mulher; mas as formas palpitavam; a carne latejava sob os olhos que a devoravam; os lábios comiam de beijo a vítima que eles provocavam; e entre a cútis transparente corria o sangue, que se precipitava do coração espadanando em cascatas!

_Sublime! A descrição é digna de um quadro... que eu não vi! Disse o Rochinha.

_ Onde descobrisse essa maravilha?

_ É meu segredo.

_ Nem se pode saber o nome do artista, Sr. Silva?

_ Não o adivinharam ainda!

_ Será Rafael?

_ É um Ticiano póstumo!

_ Ou algum gênio desconhecido?

_ Enganaram-se: é um artista de todos os tempos e de todos os países; é o artista divino¹ que fez as flores, as estrelas e as mulheres!

_ Ah! Neste gênero de pintura tenho visto o melhor que é possível!

_ Eu aposto, disse Lúcia, que o Sr. Silva, como os poetas, embelezou o seu quadro². Viu o que sentia; mas não o que era.            

_ Que importa! É outra ilusão minha que desejo guardar.

_ Talvez não a guarde por muito tempo.

_ Pois, meus senhores, continuou Sá, mostrando-lhes estas pinturas, preparei-lhes uma agradável surpresa. É nada menos que o original delas; não o original frio e calmo, mas um verdadeiro modelo, vivendo, palpitando, sorrindo, esculpindo em carne todas as paixões que deviam ferver no coração daquelas mulheres.

_ Onde está ele?

_ Lúcia vai mostrar-nos.

_ Ah!...

_ Magnífico!

_ Que maçada! Esqueci o meu pince-nez, disse o Rochinha.

_ Está pronta, Lúcia?

Ela ergueu-se, circulando a mesa com o olhar ardente e fascinado.

_ Tu não farás isto, Lúcia! Disse-lhe eu à meia voz. Dobrando como uma palma flexível o seu talhe esbelto, atirou-me ao ouvido uma palavra, que vazou no meu cérebro e correu-me pela medula dos ossos, como gota de metal em fusão³.

_ É preciso pagar a conta da ceia 4!

Travei-lhe da mão:

_ Eu te suplico.

O seu corpo oscilou; caiu inerte sobre a cadeira.

_ Que é isso? Exclamou Sá. Tens vergonha de Paulo? É a única pessoa demais que está hoje aqui.

_ Ah! Não é a primeira vez? Perguntei empalidecendo.

_ Será a primeira vez que copiará estes quadros, pois não há oito dias que os comprei; mas Lúcia não precisa de modelos, e já nos mostrou, não uma, porém muitas noites, que tem, com a beleza dos anjos, o gênio da estatuária. Não é verdade, meus senhores?

_ Bem vês, Sá, que a honra não é para todos. Sou indigno dela! Disse eu.

_ O que me está parecendo é que Lúcia quer apaixonar-te. Soltei uma gargalhada.

_ Perde o seu tempo! A mim?

Lúcia ergueu a cabeça com orgulho satânico, e levantando-se de um salto, agarrou uma garrafa de champanha, quase cheia. Quando a pousou sobre a mesa, todo o vinho tinha-lhe passado pelos lábios, onde a espuma fervilhava ainda. Ouvi o rugido da seda 5: diante de meus olhos deslumbrados passou a divina aparição que admirava na véspera.

Lúcia saltava sobre a mesa. Arrancando uma palma de um dos jarros de flores, trançou-a nos cabelos, coroando-se de verbena, como as virgens gregas. Depois agitando as longas tranças negras, que se enroscaram quais serpes vivas, retraiu os rins num requebro sensual, arqueou os braços e começou a imitar uma a uma as lascivas pinturas; mas a imitar com a posição, com o gesto, com a sensação do gozo voluptuoso que lhe estremecia o corpo, com a voz que expirava no flébil suspiro e no beijo soluçante, com a palavra trêmula que borbulhava dos lábios no delíquio do êxtase amoroso.

Deviam de ser sublimes de beleza e sensualidade esses quadros vivos, que se sucediam rápidos; porque até as mulheres aplaudiam com entusiasmo e frenesi. Revoltou-me tanto cinismo; ergui-me da mesa.

_ Que é isso? Não admiras? O que viste era mais perfeito.

_ Não por certo!... Estes quadros são mais expressivos e naturais! São sublimes de verdade! Porém sinto-me sufocado pela atmosfera desta sala: preciso de ar.

Abri a porta que dava para o jardim, e saí.

 

 

 

CAPÍTULO XIX


 

Lúcia ficou um momento absorvida nas suas recordações; afinal chegando um banquinho de tapete, sentou-se aos meus pés:


_ Deixamos São Domingos para vir morar na Corte: tinham dado a meu pai um emprego nas obras públicas. Vivemos dois anos ainda bem felizes. À noite, toda a família se reunia na sala; eu dava a minha lição de francês a meu mano mais velho, ou a lição de piano com minha tia. Depois passávamos o serão ouvindo meu pai ler ou contar alguma história. Às nove horas ele fechava o livro, e minha mãe dizia: “Maria da Glória, teu pai quer cear”. Levantava-me então para deitar a toalha.

_ Maria da Gloria!

_ É meu nome. Foi Nossa Senhora, minha madrinha, quem me deu. Nasci a 15 de agosto. Por isso todos os anos vou levar-lhe um trabalho de minhas mãos, e pedir-lhe que me perdoe. Outrora pedia-lhe que me fizesse feliz; toda a minha família acompanhava: agora vou só e escondida.

_ E que é feito de tua família?

_ Lembra-se da febre amarela em 1850?

_Não estava aqui.

_ É verdade, foi um ano terrível. Meu pai, minha mãe, meus manos, todos caíram doentes: só havia em pé minha tia e eu. Uma vizinha que viera acudir-nos, adoecera à noite e não amanheceu. Ninguém mais se animou a fazer-nos companhia. Estávamos na penúria: algum dinheiro que nos tinham emprestado mal chegara para a botica. O médico que nos fazia a esmola de tratar dera uma queda de cavalo e estava mal. Para cúmulo de desespero, minha tia uma manhã não pôde se erguer da cama; estava também com a febre, fiquei só! Uma menina de 14 anos para tratar de seis doentes graves, e achar recursos onde não havia. Não sei como não enlouqueci.

Lúcia apertou a cabeça com as mãos, como se ainda temera que a razão lhe fugisse.

_ Tudo quanto era possível, meu Deus, sinto que o fiz. Não dormia; sustentava-me com uma xícara de café. Nalgum momento de repouso ia à porta e pedia aos que passavam. Pedia para meu pai enfermo e para minha mãe moribunda, não tinha vexame. Uma tarde perdi a coragem: meu irmão estava na agonia, minha mãe despedira-se de mim, e Ana, minha irmãzinha, que eu tinha criado e amava como minha filha, já não dava acordo de si. Passou um vizinho. Falei-lhe; ele me consolou, e disse-me que o acompanhasse à sua casa. A inocência e a dor me cegavam: acompanhei-o.

Lúcia fez um esforço para continuar:

_ Esse homem era o Couto...

_ Ah!

_ Ele tirou do bolso algumas moedas de ouro, sobre as quais me precipitei, pedindo-lhe de joelhos que mas desse para salvar minha mãe; mas senti os seus lábios que me tocavam, e fugi. Oh! Não posso contar-lhe que a luta foi a minha: três vezes corri espavorida até a casa, e diante daquela agonia sentia renascer a coragem, e voltava. Não sabia o que queria esse homem: ignorava então o que é a honra e a virtude da mulher 6; o que se revoltava em mim era o pudor ofendido. Desde que os meus véus se despedaçaram 7, cuidei de que morria; não senti nada mais, nada, senão o contato frio das moedas de ouro que eu cerrava nas mãos crispadas. O pensamento estava junto do leito de dor, onde gemia tudo que eu amava nesse mundo.

Lúcia escondeu o rosto nos meus joelhos, e emudeceu. Quando levantou a fronte, implorava com as mãos juntas e o olhar súplice. O quê? O perdão de sua primeira falta?

Não sei. Faltaram-me as palavras para consolar dor tão profunda: beijei Lúcia na face.

_ Obrigada! Exclamou ela; obrigada! Alguma cousa me diz que mereço este consolo. Terei forças para concluir. O dinheiro ganho com a minha vergonha salvou a vida de meu pai e trouxe-nos um raio de esperança. Quase de esperança. Quase que não me lembrava do que se tinha passado entre mim e aquele homem; a consciência de me ter sacrificado por aqueles que eu adorava fazia-me forte. Demais, um esquecimento profundo, só explicável pela alheação completa do espírito, ocultava-me a triste verdade. Devia compreendê-la, e de que modo, oh meu Deus!

Como impelida por um choque elétrico, Lúcia ergue-se galvanizada por súbita e violenta recordação.

_ Ainda vejo! As melhoras foram aparentes! Meus dois irmãos acabavam de expirar, minha tia entrava na agonia, minha mãe tivera um novo acesso. Felizmente, já meu pai estava em convalescença, e saiu para tratar do enterro. Ele não tinha dinheiro, apresentei-lhe as últimas moedas de ouro que me restavam. “Quem te deu este dinheiro?... Roubaste?...” contei-lhe tudo: tudo que eu sabia na minha inocência. Ele compreendeu o resto. Expulsou-me!

_ A ti, que lhe salvaste a vida?

_ Meu pai julgava que eu tinha um amante e iria viver com ele. A não ser assim, exporia sua filha a morrer de fome? Saí de casa. O ótimo ente que me sorriu e me abraçou por despedida foi o anjinho que Deus me dera por irmã e conforto. Sentei-me na calçada. Era bastante tarde já, quando uma mulher que se recolhia me perguntou o que fazia ali àquelas horas. “Perdi meu pai e minha mãe, respondi, não tenho onde viver.” Jesuína... Era ela... Levou-me consigo. Não me esqueci dos meus. À força de rogos e instancias de Jesuína mandava constantemente à casa saber noticias e levar os socorro necessários: nada faltou, nem médico, nem enfermeiras. A paz voltou enfim: e eu tive o supremo alívio de comprar com a minha desgraça a vida de meus pais e de minha irmã. Jesuína, o senhor adivinha o que foi ela, tinha posto um preço aos seus serviços; não sei se a primeira humilhação custou mais que a segunda; mas o sacrifício devia se consumar, porque não tive mão que me amparasse. A minha felicidade estava destruída; cuidei que não havia maior infâmia do que a minha. Resolvi viver para tranquilidade e ventura de uma família inocente da minha culpa. Quinze dias depois de ser expulsa por meu pai... o que fui.

O sorriso pálido que contraiu o rosto de Lúcia parecia despedaçar- lhe a alma nos lábios:

_ Sabe agora o segredo da cupidez e avareza de que me acusavam. Encontram-se no Rio de Janeiro homens como Jacinto, que vivem da prostituição das mulheres pobres e da devassidão dos homens risos: por intermédio dele vendia quanto me davam de algum valor. Todo esse dinheiro adquirido com a minha infâmia era destinado a socorrer meu pai e a fazer um dote para Ana. Jesuína continuava a servir-me. Minha família vivia tranquila, e seria feliz se a lembrança do meu erro não a perseguisse. Nisto uma moça quase de minha idade veio morar comigo; a semelhança de nossos destinos fez-nos amigas; porém Deus quis que eu carregasse só a minha cruz. Lúcia morreu tísica; quando veio o médico passar o atestado, troquei os nossos nomes. Meu pai leu nos jornais o óbito de sua filha; e muitas vezes o encontrei junto dessa sepultura onde ele ia rezar por mim, e eu pela única amiga que tive neste mundo.

_ Morri pois para o mundo e para minha família. Foi então que aceitei agradecida o oferecimento que me fizeram de levar-me à Europa. Um ano de ausência devia quebrar os últimos laços que me prendiam. Meus pais choravam sua filha morta; mas já não se envergonhavam de sua filha prostituída. Eles tinham-me perdoado. Quando voltei, só restava de minha família uma irmã, Ana, meu anjo da guarda. Está num colégio educando-se.

“Eis minha vida. O que se passava em mim é difícil de compreender, e mais difícil de confessar. Eu tinha-me vendido a todos os caprichos e extravagâncias; deixara-me arrastar ao mais profundo abismo da depravação; contudo, quando entrava em mim, na solidão de minha vida intima, sentia que eu não era uma cortesã como aquelas que me cercavam 8. Os homens que chamavam meus amantes valiam menos para mim do que um animal; às vezes tinha-lhes asco e nojo. Ficaram gravados no meu coração certos germes de virtude... Essa palavra é uma profanação nos meus lábios, mas não sei outra. Havia no meu coração germes de virtude, que eu não podia arrancar, e que ainda nos excessos do vicio não me deixavam cometer uma ação vil. Vendia-me, mas francamente e de boa-fé; aceitava a prodigalidade do rico; nunca a ruína e a miséria de uma família.

“Aquele esquecimento profundo, aquela alheação absoluta do espírito, que eu sentira da primeira vez, continuou sempre. Era a tal ponto que depois não me lembrava de cousa alguma; fazia-se como que uma interrupção, um vácuo na minha vida. No momento em que uma palavra me chamava ao meu papel, insensivelmente pela força do hábito, eu me esquivava, separava-me de mim mesma, e fugia deixando no meu lugar outra mulher, a cortesã sem pudor e sem consciência, que eu desprezava, como uma coisa sórdida e abjeta.

“Mas horrível era quando nos braços este corpo sem alma despertava pelos sentidos. Oh! Ninguém pode imaginar! Queria resistir e não podia! Queria matar-me trucidando a carne rebelde! Tinha instintos de fera! Era uma raiva e desespero, que me davam ímpetos de estrangular o meu algoz. Passado esse suplício restava uma vaga sensação de dor, e um rancor profundo pelo ente miserável que me arrancara o prazer das entranhas convulsas!”

comovida e lacrimosa, ela atirou-se ao meu peito, e enlaçou-me com os braços trêmulos:

_ Perdão! Houve um momento bem rápido em que o odiei também! Como sofri, meu Deus! Devia resgatar pela dor a felicidade que pela dor havia perdido!

Lúcia, concluindo essa narração, que a fatigara em extremo, enxugou as lágrimas e deu algumas voltas pela sala.

_ Se eu ainda tivesse junto de mim todos os entes queridos que perdi, disse-me com lentidão, veria morrerem um a um diante de meus olhos, e não os salvaria a tal preço. Tive força para sacrificar-lhes outrora meu corpo virgem; hoje, depois de cinco anos de infâmia, sinto que não teria coragem de profanar a castidade de minha alma. Não sei o que sou, sei que começo a viver, que ressuscitei agora. Ainda duvidará de mim?

_ Tu és um anjo, minha Lúcia!

  

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1 -  O Artista divino é Deus. No romantismo, aceitava-se, em geral, uma divindade criadora de universo, mas sem que essa aceitação implicasse a noção de religião propriamente dita.

2 -   Aqui a visão tipicamente idealista do Romantismo: a poesia, a arte em geral, deve embelezar o real e não copiá-lo fielmente.

3 -  Esse parágrafo exemplifica bem um traço do estilo de Alencar: através de uma comparação (palma – talhe), sublinha a suavidade de Lucíola, o que se opõe à violência de uma nova comparação (palavra – gota de metal em fusão) atribuída à fala da moça.

4 -  Essa é a frase central desse trecho. Através dela, constata-se claramente, pela própria fala de Lúcia, que ela assume conscientemente seu papel no romance: o papel de uma mulher que vende seu corpo para sobreviver.

5 - Lúcia se despe e fica nua para representar ao vivo os quadros. Alencar assinala apenas o rugir da seda. Se, por um lado, é extremamente discreto, por outro, sua discrição é bastante poderosa como sugestão se sensualidade.

6 - Nas obras de Alencar, como, aliás, na sociedade de seu tempo, identificava-se a honra e a virtude da mulher com sua virgindade física.

7-  Atente-se, aqui, para a bela e pungente metáfora do defloramento de Lúcia. Nesse momento, Alencar faz Lúcia pensar, não no que está acontecendo, mas, significativamente, nas moedas de ouro, que sua mão aperta, e nos seus parentes, que agonizam. Logo adiante, Lúcia falará em seu sacrifício.

8 -  O texto dissocia claramente corpo e espírito, uma postura típica do Romantismo. O corpo pode se envolver em situações degradantes e a alma permanecer dissociada do que acontece com o corpo. Isso é claramente sugerido logo abaixo, quando Lúcia diz que, a cada vez que se prostituía, separava-me de mim mesma, e fugia deixando no meu lugar outra mulher.

9 -   Essa frase de Paulo, coroando a história da prostituição de Lúcia, é a chave do romance, que tranquiliza os leitores, à medida que apresenta a personagem redimida pelo amor.














          

quarta-feira, 21 de abril de 2021

 

MARITUBA COMPLETA VINTE E SETE ANOS

E SONHA COM UM FUTURO MENOS TENEBROSO

            Pouquíssimos municípios do Pará ou até mesmo do Brasil, tem tão pouco para comemorar em seu aniversário de criação como a sofrida Marituba.

Terceira cidade ou terceiro Município da Região Metropolitana de Belém, Marituba é uma cidade agonizante cuja população literalmente parece não ter para quem apelar. Uma cidade atormentada com o mau-cheiro de um medonho lixão, uma cidade sem saneamento básico, cheia de valas a céu aberto, com um índice de violência altíssimo sonhando que no futuro próximo as coisas se tornem menos difícil do que tem sido desde a sua emancipação.  

            Emancipada em 1994, na expectativa de receber pelo menos os serviços básicos de que tanto carecia, a população de Marituba optou pelo sim a emancipação e sem estrutura alguma, sem nenhum recurso, sem prédios para abrigar Câmara, Prefeitura e as secretarias básicas, depois de emancipada ainda esperou mais dois anos até que houvesse a primeira eleição e elegesse o seu primeiro prefeito e seus primeiros vereadores.

Infelizmente, a partir de sua emancipação começaram a acontecer as invasões que deram origem a diversos bairros e como consequência dessas invasões veio a grande explosão demográfica que muito rapidamente foi transformando Marituba no município mais populoso demograficamente.

 Logo depois de emancipada ao invés de ser tratada com respeito e dignidade que todo município sem infraestrutura merece para crescer, Marituba passou a sofrer nas mãos do governo do estado que passou a tratar a pobre cidade como um padrasto malvado trata sua pobre enteada; tudo de ruim começou a ser mandado do para esse pobre Município.

E como se não bastassem as invasões que se iniciaram imediatamente após a emancipação o Estado desativou o Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira que funcionava em Belém e implantou em Marituba o CIASPA, no final do Bairro Encovile: o esgoto desse hospital Psiquiátrico era lançado nas águas dos igarapés que cortam Marituba, iniciando assim sua contaminação até a extinção dos mesmos.

E quando a população esperava que o Estado ajudasse a construir um hospital digno, boas escolas e ajudasse na infraestrutura da cidade o povo de Marituba foi  surpreendido com outra atitude de padrasto malvado e lá veio a  construção do Presídio PEM 1 e depois o PEM 2 e s seguir o PEM 3. Em seguida, sem nenhum critério de estudos de impactos de solo alguns empresários começaram a implantar cemitérios e mais cemitérios com licenças ambientais emitidas pelo governo do Estado.  E por último, não obstante a contaminação do solo pelos cemitérios, por falta de habilidade de seus últimos governantes e comodismo da grande maioria da população, para atender aos interesses de Belém e de Ananindeua, foi implantado o lixão em Marituba mesmo sem obedecer a critérios  mínimos e sem nenhum estudo sério dos impactos ambientais e dos danos que o maldito lixão poderia causar e está causando a população de Marituba com a poluição solo e com o insuportável odor que vem acometendo a  população da cidade de uma série de doenças.  E novamente, o Governo do Estado agiu como padrasto malvado de Marituba para atender aos interesses principalmente do Município de Belém.  

Sem infraestrutura sem indústrias e sem um comércio forte, não há trabalho suficiente para a grande maioria da população produtiva. Uma pequena parte da população presta serviço temporário nos órgão públicos municipais mas,  sem vínculo efetivo, havendo dispensas ao bel prazer do governante do momento. Assim, a Prefeitura acaba sendo o maior empregador do Município, mas que não consegue absorver nem 5% dos trabalhadores do município e como agravante quase 40% das vagas de emprego  das  secretarias Municipais de Marituba são ocupadas por pessoas de Belém e de outros municípios ficando grande parte dos filhos de Marituba sem trabalho.

Assim, depois de emancipada Marituba, infelizmente, apenas deixou de ser chamada de vila dormitório e passou a ser chamada de Município dormitório, visto que, a grande maioria das pessoas em idade produtiva saem do Município durante o dia para trabalhar em Belém ou em outros municípios da região metropolitana e retornam a noite as suas casas. Mas as mazelas trazidas pelo governo do Estado, a falta de postos de trabalho a falta de infraestrutura, a falta de segurança e a falta de saneamento se tornaram problemas menores depois que implantaram o lixão em Marituba.

 A partir do começo do funcionamento desse maldito lixão a população de Marituba literalmente perdeu o direito de respirar o ar puro a que antes achava que tinha direito, passando a sofrer agonizantemente, todos os dias, com o insuportável odor que predominas em toda a cidade por diversas horas do dia, principalmente de madrugada.  Esse tem sido o maior pesadelo de Marituba nos últimos nos últimos oito anos.  E ao completar 27 anos de Existência como Município, ainda sem o mínimo de infraestrutura na maioria dos bairros;  carente de escolas de Ensino Médio e de ensino Fundamental;  sem creches, sem um hospital de qualidade; sem bons supermercados que ofereçam produtos de qualidade para a população, sem opções de lazer, principalmente para a juventude;  com um sistema de transporte precário, sem um parque industrial que ofereça oportunidade de trabalho para seus moradores e com tantas outras mazelas. Essa é a triste realidade de Marituba que ao completar seus 27 anos como Município espera e  sonha com um futuro melhor visto que o presente está sendo literalmente tenebroso.    

                              Raimundo M.  de Periçá.

  

terça-feira, 20 de abril de 2021

 

 O MUNICPIPIO DE MARUTUBA 

27 ANOS DE EMANCIPAÇÃO

A história da autonomia política e econômica de Marituba, alcançada no dia 21 de abril de 1994, tem a indignação como motor do sentimento de busca pela sua emancipação. Esta indignação levou à algumas lideranças a tomar atitudes que uniram o povo, que se encontrava insatisfeito com a falta de transporte digno, de empregos, saneamento, escolas e assistência médica, a dizer sim ao desmembramento do município de Benevides.

Esta insatisfação levou a se formarem três movimentos de emancipação: o primeiro em 1983 liderado pela Comissão de Emancipação de Marituba (CEM); o segundo em 1989 liderado por Nelson Rabelo que culminou em um plesbicito com a vitória do “Não” à emancipação. O terceiro, liderado por Fernando Corrêa e Eládio Soares obteve êxito, onde, no dia 21 de abril de 1994, 12.035 (96,1%) pessoas votaram pelo “Sim” dando início à uma nova página na história do município de Marituba.

Lideranças – À frente do terceiro movimento de emancipação, que culminou com a autonomia de Marituba, estavam o ex-prefeito Fernando Corrêa e Eládio Soares. O primeiro também foi eleito como primeiro prefeito do município. O segundo (falecido em 2008) dá nome a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Marituba.

O servidor público Ivan Soares, 65 anos, é filho de Eládio Soares. Ele acompanhou todo o processo de emancipação ao lado do pai. Ele comenta que o descontentamento com a situação do município, que fazia parte de Benevides, motivou o grupo a iniciar o movimento de após duas tentativas anteriores frustrantes.

Ele conta que seu pai, Eládio Soares, era corretor de imóvel e fazia parte de um grupo que se demonstrava insatisfeito com o fato do então distrito ser relegado ao segundo plano e passaram, então, a discutir uma forma de emancipá-lo. Do grupo faziam parte políticos, empresários, jornalistas, universitários e lideranças religiosas, entre outras, que passaram a se reunir na Paróquia do Menino Deus.

A igreja, segundo o servidor, teve um papel determinante neste processo que contaram com as missas para esclarecer as pessoas sobre a necessidade de alcançar a autonomia política e econômica. “ O padre Jairo teve um papel de suma importância pois além de ceder o espaço para as reuniões da comissão, conscientizou a população através dos sermões nas missas dominicais”, destaca.

Em 1993 um “outdoor” em frente à feira de Marituba, conclamando a população a engajarem-se na luta em prol da emancipação teve grande repercussão dando início a formação da Comissão Pró-Emancipação de Marituba (COPEM), liderada primeiramente por Fernando Corrêa e, mais tarde, por Eládio Soares.

Segundo dados coletados pela (COPEM), em 1993 havia em Marituba 55 mil habitantes, 21 mil eleitores, 96 empresas de médio e grande porte, 4.863 comércios pequenos, 2 mercados públicos, 9 supermercados, 1 ginásio de esportes, 1 hospital-maternidade de urgência e emergência, 1 hospital psiquiátrico, 1 hospital dermatológico, 12 templos da Assembleia de Deus , 10 templos da Igreja Católica, 7 postos de gasolina, 2 estádios de futebol, 4 motéis, 10 panificadoras, 4 churrascarias, 9 farmácias, 35 escolas entre estaduais, municipais, conveniadas e particulares, 4 creches, a sede central da Emater, o Centro de Recurso Humanos (CTRH), e uma linha de ônibus que ia até o centro de Belém.

Após uma intensa campanha foi então que no dia 21 de abril de 1994, realizou-se um plebiscito que contou com 12.444 eleitores votantes e onde 12.035 (96,1%) pessoas votaram pelo “Sim” e 257 (2,07%) votaram pelo “Não”. A partir do dia 21 de abril do ano de 1994, Marituba passou a ser considerado um município autônomo política e economicamente. Houve todo um trabalho árduo para se chegar até este resultado. “ Todos se dedicaram muito à causa, meu pai, inclusive foi internado três vezes com esgotamento físico por causa dessa luta para emancipar”, explica Ivan. Ele também conta que grupos dos municípios vizinhos formavam uma força política contrária à emancipação.

Marituba hoje – Ao comemorar os 27 anos de sua emancipação política e econômica, Marituba apresenta hoje uma população estimada – segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – de 133.685 habitantes, um crescimento de um pouco mais de 143% com relação à população de 1994, quando da emancipação.

Apesar de ter sido criada pela Lei Estadual nº 5.857 de 22 de setembro de 1994 quando foi   desmembrada do município de Benevides, Marituba nasceu em função da Estrada de Ferro de Bragança. Para o estabelecimento da via férrea foi necessário a construção de uma vila de casas, para abrigar os operários de manutenção e demais funcionários dessa estrada.

A construção da vila foi concluída em 1907 dando origem ao povoado de Marituba. Suas terras pertenciam ao município de Belém, com a criação do município de Ananindeua, em 1943, passou a pertencer a esse novo município. Já em 1961, passou a pertencer ao município de Benevides. “ Da emancipação para cá, Marituba cresceu muito, muitas empresas vieram para Marituba depois da emancipação. Hoje temos mais opções de transporte, melhor infraestrutura, além de mais escolas e universidades que formam nossos jovens para que o município tenha um futuro melhor para sua gente”, conclui o filho de Eládio Soares.

                                                                                               Fonte COMUS - PMM

segunda-feira, 19 de abril de 2021

                                         A CIDADE DE MARIRUBA COMPLETA 27 ANOS                                                                                                           EM 21 DE ABIL DE 2021

         A ocupação da área onde mais tarde seria fundado o município de Marituba decorreu das medidas políticas do governo provinciano, traçadas na segunda metade do século XIX, cujos objetivos eram a colonização da região Bragantina e a implantação de uma estrada de ferro que deveria fazer a ligação entre os diversos núcleos coloniais que iriam ser fundados. Com isso Marituba nasceu em função da Estrada de Ferro de Bragança – ferrovia com 293 quilômetros de extensão suas obras duraram 25 anos.

        Na época, os limites de Belém estendiam-se por quase todo o território das atuais zonas Bragantina, Guajarina e Salgado. Entre aquele centro urbano e Belém existia uma vasta área completamente despovoada e que precisava urgentemente ser ocupada. Os primeiros imigrantes eram de origem francesa, italiana e espanhola, chegaram em Belém no dia 25 de abril de 1875. Outros vieram depois. Instalou-se em vários núcleos agrícolas, e esses núcleos ? Apeú, Castanhal, Inhangapi. São hoje progressivos municípios da chamada Zona Bragantina.
        O plano do Governo Imperial era colonizar essa imensa região, tida como rica e fértil, e adequada para a prática agrícola, cuja produção iria ser necessária para alimentar a população da capital da província que se expandia anualmente.
        É bom lembrar, que sempre houve uma relação positiva entre a ferrovia, a colonização e a exploração da zona Bragantina: na medida em que os trilhos iam sendo colocada região adentro, novas colônias eram implantadas na área, ou simples povoados surgiam nas imediações das paradas da Estrada de Ferro.
        Por volta de 1905, quando a via-férrea já se encontrava nas imediações da cidade de Capanema, o governador Augusto Montenegro iniciou a construção das oficinas dos trens da Estrada de Ferro de Bragança. Já com suas instalações quase concluídas, percebeu-se ser necessária a construção de uma vila de casas, para abrigar seus operários de manutenção e demais funcionários dessa Estrada. Nessa época, já haviam sido erigidas as estações do Entroncamento e de Ananindeua. Os trabalhos de construção da referida vila foram concluídos em 1907. Coube ao Doutor Swindeler diretor da companhia construtora, em conjunto com outras autoridades e futuros moradores, a responsabilidade de inaugurar a Vila Operária, dando origem ao povoado de Marituba. Suas terras pertenciam ao município de Belém. Com a criação do município de Ananindeua, em 1943, passou a pertencer ao novo município. Já em 1961, passou a pertencer ao município de Benevides.
        A origem do topônimo Marituba vem da língua indígena (nhengatu), que significa ?Lugar abundante de Maris (ou Umaris)?. Maris ou Umaris é uma árvore da família das Icacináceas, que dá frutos comestíveis; ?Tuba? significa ?lugar abundante?. Da junção desses dois vocábulos surgiu o nome Marituba, que graças ao agrado dos filhos da terra, até hoje permanece.
        No Natal de 1909, os moradores do então vilarejo de Marituba, realizaram uma missa campal em frente da antiga escola primária. Nos anos seguintes, essa missa passou a ser celebrada no interior da escola, depois disso, passou a ter missa dominical na cidade. Em 1917, uma das casas da vila foi adaptada para servir de capela, fazendo parte da Paróquia de Santa Isabel. Neste local, encontra-se construída atualmente a Igreja Matriz de Marituba.
        Em 1918, fundava-se o Cemitério da Vila. Naquela época, a vida no vilarejo era muito difícil. Os primeiros moradores eram quase todos empregados da Estrada de Ferro de Bragança. Havia também, uma pequena parcela da população que vivia da roça e da produção de carvão que ia para Belém no trem de carga. Produziam a lenha que era destinada à Estrada de Ferro de Bragança, e à algumas empresas, como a Pará Elétrica, a primeira empresa que explorou a energia elétrica em Belém. Essa atividade de extrativismo predominou durante muito tempo e até hoje ainda existe vestígio dela em Marituba. Até meados dos anos 40, a economia da vila girava em torno das atividades comerciais de apoio à ferrovia, e de uma incipiente agricultura de subsistência composta de mandioca, arroz e milho, produzidos geralmente para autoconsumo.
        Começaram a surgir na vila os primeiros comerciantes, como, o português Deomano Pacheco, a família Bastos que trabalhava no ramo farmacêutico, a família Falcão no ramo da estiva, o português Agostinho dono da Cerâmica Marajó e Francisco Cunha entre outros. O vilarejo expandia-se, a cada ano, ganhando aspecto de cidade à medida que iam sendo implantados novos equipamentos, indo assim adquirindo característica de cidade.
        A elevação de Marituba à categoria de município refletiu um antigo anseio da sua população. Segundo informações de alguns líderes locais, Marituba para se desenvolver teria que conseguir sua autonomia política e administrativa. Desde 1983, o povo maritubense vinha se organizando no sentido de buscar a autonomia para a vila. Foram três os movimentos populares para a sua emancipação; o primeiro foi realizado em 1983; o segundo em 1991 e finalmente em 1993.

Formação Administrativa

Elevado à categoria de município e distrito com a denominação de Marituba, pela Lei Estadual n.º 5.857, de 22-09-1994, desmembrado de Benevides. Sede no atual distrito de Marituba (ex-localidade). Constituído do distrito sede. Instalado em 01-01-1997.

Em divisão territorial datada de 2001, o município é constituído do distrito sede.
Assim permanecendo em divisão territorial datada de 2007.

                                                SOBRE O LIXÃO DE MARITUBA       

As empresas Guamá e Revita integram o rol de 50 empresas do grupo Solvi Participação S.A., com atuação no Brasil, Argentina, Peru e Bolívia. Em suas comunicações institucionais, o grupo defende valores como “sustentabilidade”, “ética”, integridade”, “responsabilidade social”.  No ano de 2017, o grupo Solvi fechou o exercício financeiro com um resultado líquido de mais de 100 milhões de reais e um patrimônio líquido acima de 2 bilhões de reais (Solvi Participações, s/d, p. 26). No mesmo relatório de demonstrações financeiras, no item “Passivo contingente”, o grupo Solvi e suas empresas aparecem como parte de 17 processos (civis, penais, trabalhistas), entre os quais os deflagrados pela operação Gramacho no Pará. No caso específico do Lixão de Marituba, entendem, conforme o documento, que “as denúncias carecem de comprovação probatória, portanto não foi constituída provisão contábil para fazer face a esse assunto” (ibid., p. 4). A empresa também afirma que teve todos os seus procedimentos licenciados pelo órgão competente, a Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Semas) – Licença prévia em 2012; Licença de Instalação, em 2013; e de Operação, em 2014 – o que, entretanto, encontra-se sob questionamento judicial.

A mais recente das ações do Ministério Público do Pará, de fevereiro de 2020 (MMPA, 2020), e a quinta contra a empresa, investiga o que os movimentos sociais e ativistas ambientais denunciam, desde o início da implantação do aterro em Marituba: a suspeita de que a licença ambiental foi concedida indevidamente. Segundo o MPPA, “a empresa [Guamá] recebeu licenças para se instalar e funcionar mesmo tendo descumprido aspectos da legislação ambiental”, como a “utilização de equipamentos adequados para o tratamento de resíduos e a adoção de providências para reduzir os impactos ambientais do aterro”. O MPPA também já havia questionado e conseguido reverter a decisão do atual governo do estado de abrir mão da ação por danos morais e materiais ambientais que o estado move contra as empresas donas do aterro. “Pelo acordo, haveria extinção dessa ação, sem garantia ou qualquer contrapartida por parte da empresa para a sociedade atingida” (MPPA, 2019).

Também em 2017, com o aterro operando há cerca de dois anos, a prefeitura de Marituba, pressionada pelos movimentos sociais e ambientais, havia decretado “situação de emergência” no município (decreto n. 508/2017), em função dos danos sociais, ambientais e econômicos causados pelo aterro, entre os quais o documento destacava:

  • o acúmulo de chorume,  além da capacidade do sistema de drenagem do aterro, “sem qualquer tratamento”, carreado para a micro bacia hidrográfica do município;
  • a ameaça ambiental, pelo chorume carreado para dentro da unidade de conservação de proteção integral Refúgio de Vida Silvestre Metrópole da Amazônia (Revis), rica em espécies endêmicas e considerada a segunda maior reserva florestal em área urbana do país;
  • o “forte odor”, sentido em vários bairros do município, oriundo das células de resíduos sólidos recobertas fora das normas técnicas;
  • o aumento “gigantesco” de atendimento nas unidades de saúde, aumento de demandas de medicamentos;
  • “grandes prejuízos econômicos” gerados pelo fechamento dos comércios, balneários (como são chamados na região locais de banho à beira de igarapés) e restaurantes nas proximidades do aterro;
  • uma comunidade tradicional secular – a comunidade Quilombola do Abacatal – afetada diretamente tanto pelo forte odor como pelo chorume carreado para os cursos de água que abastecem e fornecem alimento aos seus moradores.

Durante todo o tempo, a empresa Guamá Tratamento de Resíduos negou a existência de irregularidades (Portal G1 – Pará, 2017b). Não obstante, na fala do pesquisador do Instituto Evandro Chagas, responsável pelo estudo técnico sobre a exposição de nove comunidades à contaminação por metais nos arredores do aterro sanitário, chamado Lixão de Marituba, chama a atenção a força probatória da contaminação.

Encontramos várias anomalias. Entre os mais nocivos: mercúrio, chumbo e manganês. Encontramos cobalto, elemento muito difícil de encontrar na água. Geralmente está associado a materiais condutores, como baterias e placas. Também identificamos cobalto na poeira (na parte mais externa, onde brincam as crianças) [...] no solo, destaco a presença de cobre em um nível muito alto (numa das comunidades mais próximas ao Lixão). O cobre está muito associado ao lixo. E esse é o maior indicador de que tem um problema com resíduos. (Pesquisador do IEC, Marcelo Lima, no Portal ORM, O Liberal, 5 fev 2019)

O resultado, segundo o pesquisador, ainda não é conclusivo. Uma segunda etapa de verificação seria necessária para determinar a responsabilidade e a dimensão dos danos à saúde das pessoas e ao ambiente no entorno do aterro. Para isso, seriam necessários “recursos e nova solicitação da Semas”. Até o momento, não há monitoramento regular e não há informação sobre a continuidade dos testes.

Nesse episódio, chamaram a atenção também o silêncio da grande imprensa e a ausência de repercussão sobre o resultado alarmante do estudo do Evandro Chagas. Situação similar já havia se revelado no episódio escandaloso da operação Gramacho. Com mandados de prisão cumpridos em vários Estados e a responsabilização de altos executivos de um grande grupo econômico nacional, a cobertura midiática do fato foi por fim acanhada, restringindo-se aos veículos locais e regionais.

            Fonte: elaborados pelas autoras. Ipea. Atlas de Vulnerabilidade Social (AVS) – http://ivs.ipea.gov.br

    

                             

                                               – Imagem de passeata do movimento Fora Lixão   

                         O caso do lixão de Marituba  
         Em fevereiro de 2019, foi divulgado um estudo técnico-científico solicitado pela Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) ao Instituto Evandro Chagas (IEC),  que constatou a existência de anomalias na poeira domiciliar, nos solos e nas águas para consumo de nove comunidades próximas ao Lixão de Marituba (O Liberal , 2019), como é conhecida a Central de Processamento e Tratamento de Resíduos de Marituba, município da RMB. Licenciado pela Semas em 2012, o aterro é privado e é operado por duas empresas – Guamá Tratamento de Resíduos/Ltda. e Revita Engenharia/S.A., do grupo nacional Solvi – maior grupo no setor de serviços ambientais do País, contratadas em caráter emergencial com dispensa de licitação pela prefeitura de Belém, em junho de 2015 (Diário Oficial, 2015). Na ocasião, era urgente, como detalharemos adiante, desativar o Lixão do Aurá   que durante mais de 20 anos funcionou no município de Ananindeua e recebeu de forma precária cerca de 1.400 toneladas diárias de resíduos sólidos produzidos na capital e região metropolitana, para assim atender tardiamente as determinações da Lei Nacional de Resíduos Sólidos.
       Desde então, as empresas responsáveis pelo aterro na RMB respondem a cinco ações movidas pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) – duas delas tramitam no Poder Judiciário local por crimes ambientais; uma Ação Popular questiona o contrato com dispensa de licitação; e uma Ação Civil Pública refuta as licenças ambientais obtidas para operar o aterro. Uma delas, motivada pelos protestos da população e dos movimentos sociais especialmente contra o mau cheiro, deflagrou, em dezembro de 2017, uma operação, de nome Gramacho – em alusão ao maior lixão da América Latina – que levou, com a parceria da Polícia Civil, à prisão de gerentes operacionais e diretores nacionais da empresa e a determinação de bloqueio de 53 milhões de reais para cobrir os danos ambientais causados (Portal – Pará, 2017a). Na ocasião, o inquérito policial incluía três denúncias-crime e mais de 30 autos de infração ambiental e inquérito policial da de Delegacia do Meio Ambiente (DEMA) em andamento contra o empreendimento. 

Fonte: site: https://foralixaomarituba.wixsite.com/foralixaomaritub      


               

 


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